Fluxo capital estrangeiro ao Brasil vai continuar, diz Goldman Sachs

Haverá uma nova fase de entrada de recursos internacionais mais direcionados à renda fixa, avalia o banco
Pontos-chave
  • Haverá uma nova fase dessa entrada de capital, voltada mais para a renda fixa, que vai ancorar a moeda brasileira

O fluxo de capital estrangeiro para o Brasil tende a se sustentar no médio prazo e haverá uma nova fase de entrada de recursos internacionais mais direcionados à renda fixa, avalia o sócio e cochefe para a América Latina do Goldman Sachs, Ricardo Mora. Ele é principal executivo do banco de investimentos para a América Latina.

Com mais de 30 anos de experiência em mercados emergentes, Mora enxerga o fluxo de investimentos estrangeiros associado ao aperto monetário realizado pelo Banco Central como âncoras para a moeda brasileira. “Quando você tem uma política monetária mais apertada, que possibilite que o diferencial de juros possa ser uma âncora para a moeda, vemos um um fluxo para portfólios vindo de fora que vai continuar a existir”, afirma.

“O fluxo de recursos atual está sendo direcionado basicamente para as ações”, pondera o executivo. “Mas acho que haverá uma nova fase dessa entrada de capital, voltada mais para a renda fixa, que vai ancorar a moeda [brasileira]”, acrescenta. Leia os principais trechos da entrevista.

Ricardo Mora, do Goldman Sachs: “Aperto monetário e fluxo de recursos ao país funcionam como âncoras ao real” — Foto: Claudio Belli/Valor

Estamos vendo uma forte entrada de recursos de fora para a bolsa de valores. O Brasil está barato para o capital estrangeiro?

Quando olhamos para o ambiente mais amplamente ou para o que está acontecendo com os mercados, essa percepção de barato pode variar. E quando olhamos para as flutuações do câmbio associadas aos ‘valuations’, o que poderia ser percebido como caro, pode estar barato em termos de contexto cambial, dentro da perspectiva do dólar.

O que acontece em termos de Brasil, especificamente, é que, dentro das estimativas houve um fluxo de entrada estrangeiro de cerca de R$ 86 bilhões. E que têm sido principalmente direcionado ao mercado de ações. E, com isso, temos uma forte apreciação acumulada do dólar. Desses valores, mais de quatro quintos foram direcionados às ações e menos de um quinto para a renda renda fixa, como resultado da subida do CDI.

O fluxo financeiro para as ações veio pelo mercado secundário e, principalmente, para os papéis de commodities, bancos e índices. Mas não temos visto investimentos entrando em companhias como, por exemplo, as organizações centradas no mercado local, como o varejo. Não temos visto [entradas] em áreas mais voltadas ao consumidor. O fluxo tem sido direcionado a commodities e bancos.

O fluxo estrangeiro é sustentável no médio prazo?

O motor econômico do Brasil é forte. Vejo um fluxo contínuo [de recursos] ao país e não é uma questão de considerações ocasionais de ‘valuations’ frente a de outros mercados. Em termos de como os investidores estrangeiros veem o Brasil e sua força econômica, está claro que há muitos caminhos diferentes [de investimentos].

Nós falamos sobre renda fixa e ações, mas também de investimento estrangeiro direto. E temos mantido contato, por meio de nossa rede global, com fundos soberanos, indivíduos de altíssima renda e ‘family offices’, e todos têm intenções de investir alguma parcela do portfólio no Brasil.

Um Federal Reserve (banco central dos EUA) mais agressivo pode levar a uma reversão do fluxo internacional?

Posso dizer que, em termos de fluxo estrangeiro e em uma visão mais ampla dos mercados, é muito difícil prever onde o capital irá no futuro. Uma coisa é certa: em um cenário de volatilidade nos mercados, investidores tendem a adotar postura de maior aversão ao risco, tendem a olhar para o valor e para ativos onde há forte valor subjacente. Já sabemos que haverá, ao menos, sete elevações de taxas nos EUA.

E se você olhar o índice de condições financeiras [FCI] já está substancialmente apertado. O mercado tem precificado condições financeiras mais apertadas. Dentro de uma perspectiva de valuation, podemos dizer que o Brasil tem um valor fundamentalmente forte. É por isso que temos visto esses grandes fluxos.

A guerra na Ucrânia pode afetar o fluxo para o Brasil?

No passado, os mercados emergente costumavam negociar como um beta conjunto, ou seja, quando um tinha um problema isso afetava os demais, independentemente se fosse do outro lado do mundo, por exemplo, um evento na América Latina impactava as moedas da Ásia. E isso acontecia da noite para o dia.

Mas agora há uma visão mais focada em termos de reconhecer que os riscos podem ser isolados e que os portfólios e fluxos de capital pode ser afetados de maneira específica [para cada país]. O mercado está olhando na verdade de uma maneira muito independente e específica sobre as diferenças entre os países e as políticas.

Por exemplo, no caso do Brasil, temos visto certos fluxos de portfólio deixando o leste europeu e a Rússia e vindo para a América Latina e, especificamente, ao Brasil. Além disso, dentro dessa perspectiva, temos visto uma mudança de fluxo de portfólio para as ações de emergentes devido ao tremendo crescimento e valuations elevados nos países desenvolvidos, especialmente os EUA. É claro que a maior parte do capital que tem sido direcionado para os EUA tem ido muito bem.

É difícil tirar o dinheiro de um desempenho como esse e levar para outra jurisdição. Mas, dito isso, como o cenário macroeconômico tem se tornado um pouco mais desafiador nos mercados desenvolvidos, isso tem impulsionado essa mudança de fluxo. No Brasil, especificamente, os valuations estão muito atrativos, mas o país tem também os componentes certos que o mundo busca, ou seja, as commodities.

Nesse pano de fundo, parece claro que haverá um interesse sustentável tanto em termos de fluxo de portfólio, como por meio de private equity e investimento estrangeiro direto.

O Goldman Sachs vê oportunidades no mercado de títulos sustentáveis (ESG) brasileiro?

Temos visto muitas novas e modernas operações no Brasil e vemos muitas oportunidades no mercado de títulos sustentáveis. Há novos conceitos, como créditos de carbono, de swaps de dívida por natureza [‘debt for nature swaps’, ou seja, a troca de parte da dívida externa de um país por investimentos locais em conservação] e a ideia de ser capaz de se poder monetizar o que já existe em termos de natureza [conservada] no Brasil, por exemplo, a captura de carbono associada [às ações ambientais] no país. Há os títulos de dívida atrelados a métricas ESG.

O Goldman tem tido um grande foco em termos de ajudar nossos clientes a acessarem esses recursos e a monetizar seus ativos ESG. Acho que vamos continuar a ver muitos produtos inovadores nesses assuntos. Essa é uma coisa muito boa em termos de perspectivas, porque a monetização significa mais preservação.

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