Expansão fiscal vai além do necessário, dizem economistas

Texto da PEC da Transição tende a criar ambiente para manutenção de juros altos

Levantar o pé direito do teto de gastos em R$ 175 bilhões ou R$ 145 bilhões tem a vantagem de colocar um limitador para essa parte das despesas, mas não sinaliza revisão orçamentária em busca de melhor qualidade de gastos e mantém necessidade de apontar fontes de financiamento, dizem economistas ouvidos pelo Valor.

Junto com as “goteiras” — dadas por novas exceções à regra fiscal e que podem chegar a R$ 50 bilhões — o aumento de despesas abaixo do teto ainda é considerado alto e indica risco de expansão fiscal com efeitos na demanda e na inflação, apontam.

O relator da chamada PEC da Transição, Alexandre Silveira (PSD-MG), apresentou ontem pela manhã substitutivo que coloca R$ 175 bilhões para o Bolsa Família (atual Auxílio Brasil) dentro do limite do teto de gastos. A proposta original criava uma exceção incluindo esse valor acima do teto de gastos para abarcar as promessas de campanha do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), boa parte relacionadas ao Bolsa Família, que abarcam manutenção de benefício de R$ 600 mensais e pagamento de R$ 150 por criança de até cinco anos.

Negociações em curso na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado indicam que os R$ 175 bilhões abaixo do teto propostos por Silveira podem cair para R$ 145 bilhões.

Sendo qualquer um dos dois valores sob o teto de gastos, diz Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset, a proposta em análise pelos senadores tem a vantagem de limitar essa despesa. Ele lembra, porém, que o substitutivo de Silveira estabelece “várias goteiras” ao teto. Barros se refere às exceções que o teto de gastos pode passar a ter. algumas delas já constantes do texto original da PEC da Transição.

Entre as goteiras, Barros cita a despesa com investimentos financiada por excesso de arrecadação e também gastos com investimentos financiados por organismos multilaterais ou transferências a Estados e municípios destinadas a investimentos.

Essas “goteiras” novas somam, diz, perto de R$ 50 bilhões. Ou seja, as despesas adicionais ao orçamento proposto para 2023 podem chegar a R$ 225 bilhões, caso sejam R$ 175 bilhões abaixo do teto, ou a R$ 195 bilhões, caso sejam R$ 145 bilhões abaixo do teto.

“A expansão fiscal é maior do que parece e além do necessário, considerando as demandas mais urgentes”, diz Barros. “Estamos numa fase do ciclo econômico com atividade aquecida e nesse contexto vamos fazer uma expansão fiscal extraordinária, o que forçará o Banco Central a manter juros altos.”

Para Barros, não é neutro manter o gasto em 19% do PIB porque a composição da despesa que está se discutindo irá pressionar a demanda e vai virar inflação rapidamente. A métrica dos 19% do PIB como limite neutro para a despesa, como defendeu Nelson Barbosa [ex-ministro da Fazenda] tem limitações”, diz.

Barros ressalta que os 19% de despesas usados como referência consideram despesas extraordinárias, como os pagamentos relativos ao Campo de Marte. Além disso, diz, do lado do denominador da referência, a conta que Barbosa considera tem um PIB além do que se espera para o ano que vem. “Ou seja, a conta dele tem um ponto de partida inflado e um ponto de chegada baixo.”

Para Juliana Damasceno, economista da Tendências, mais do que discutir o limite neutro para as despesas públicas, é importante neste momento de recursos escassos, debater a qualidade dos gastos. “É preciso discutir a estrutura de despesas, seja porque são indexadas ou porque há perpetuação de gastos que não fazem sentido ou porque não são eficientes ou não são transparentes ou são mal focalizadas. É um debate que tem sido evitado porque é difícil e envolve custo político”, diz. A discussão, porém, poderia mostrar que não seria necessário um gasto adicional próximo a R$ 200 bilhões para o orçamento de 2023.

Ela concorda que colocar R$ 145 bilhões ou R$ 175 bilhões abaixo do teto tem o mérito apenas de limitar essas despesas. Mas é preciso, ressalta, discutir fontes permanentes de financiamento. Ela lembra que uma estabilização de despesa a 18% ou 19% do PIB não é suficiente para estabilizar dívida e é necessário ter perspectiva de redução de gastos. “Sejam os gastos adicionais acima ou abaixo do teto, o ponto de partida para isso será alto. E isso também é preocupante quando se pensa no espaço fiscal que teremos para lidar com eventuais eventos atípicos.”

Juliana lembra que no caso dos R$ 175 bilhões adicionais para baixo do teto para o Bolsa Família, é preciso lembrar que o orçamento proposto para o ano que vem já traz gastos de praticamente R$ 70 bilhões dentro da regra fiscal. Ou seja, há um espaço fiscal de R$ 105 bilhões, ressalta, que ainda não se sabe para onde serão destinados.

Por Marta Watanabe e Marcelo Osakabe

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