Dividendos extraordinários agora podem não ser a melhor alternativa, alerta um dos maiores CFOs do Brasil

Empresas citadas na reportagem:
A distribuição de dividendos extraordinários em 2025 vem aparecendo nos relatórios de analistas sobre empresas de vários setores na B3. Receber um bônus não previsto pode soar como música aos investidores. Mas no atual cenário, essa pode não ser uma notícia tão boa para o acionista de longo prazo, diz Marcelo Bacci, vice-presidente do conselho do instituto de executivos de finanças Ibef-SP.
“Quem paga muito dividendo agora pode estar comprometendo a capacidade de investimento lá na frente”, alertou o executivo em entrevista à Inteligência Financeira, referindo-se aos negócios que podem gerar receitas perenes no futuro.
Para Bacci, que também é vice-presidente de finanças e relações com investidores da Vale (VALE3), conjunturas como a atual, com juros altos e incertezas globais, aumenta o crivo do mercado sobre a saúde financeira das empresas. E isso diz respeito não somente à dívida, mas também ao volume de caixa e ao acesso a diferentes fontes de financiamento, se necessário.
O executivo, que assumiu o cargo de CFO na mineradora em outubro, após mais de uma década com a mesma posição na Suzano (SUZB3), vem liderando uma campanha para ganho de eficiência operacional e na alocação de capital na Vale.
Selic alta pede prudência na distribuição de dividendos hoje
Segundo ele, a Selic rodando perto das máximas em quase duas décadas de fato reduz o universo de projetos que proporcionem uma rentabilidade adequada. Assim, algumas empresas podem preferir adiar investimentos e distribuir excedentes de caixa aos investidores na forma de dividendos.
Uma alternativa para melhor alocar eventuais recursos extras e ao mesmo tempo beneficiar o investidor podem ser os programas de recompra de ações. Dessa forma, a empresa investe em si mesma num momento de baixa das ações, dá alguma sustentação aos preços, agradando os investidores.
Muitas companhias listadas na B3 vêm recorrendo a esse expediente. Segundo um relatório recente do Itaú BBA, havia em abril R$ 89 bilhões em programas de recompras de ações em execução, de 109 empresas. Vários deles foram abertos em 2024, ano recorde desse tipo de operação no Brasil.
Porém, essa pode não ser uma opção tão óbvia para as empresas de forma generalizada, ponderou. Para aquelas com nível de endividamento mais alto ou com menos alternativas de captação de recursos no mercado, um caminho mais seguro pode ser reforçar o caixa. Se não por outro motivo, porque o juro no Brasil não deve cair acentuadamente tão logo, devido a questões macroeconômicas.
“A gente ainda vai continuar convivendo com juros altos por algum tempo”, disse Bacci.
Dividendos da Vale
Além disso, com o aumento das incertezas globais derivadas de uma guerra comercial deflagrada pelos Estados Unidos, em abril, mesmo as recompras de ações devem perder força, com as empresas preferindo fortalecer o caixa.
Um exemplo nesse sentido pode ser a própria Vale. No ano passado, a empresa pagou aos acionistas uma renda equivalente a 10,3% do valor da ação (dividend yield), acima dos 8,2% do ano anterior. Neste ano, esse percentual deve cair.
Isso mesmo depois de a companhia ter garantido uma receita extra de cerca de US$ 1 bilhão por meio de um acordo comercial assinado com a Global Infrastructure Partners (GIP) em março.
“Temos sido bastante disciplinados (com relação à política de distribuição de dividendos)”, disse à Inteligência Financeira recentemente o CEO da Vale, Gustavo Pimenta.

Cenário para Brasil é positivo, mas cautela deve dominar, diz Bacci
Segundo o vice-presidente do Ibef-SP, o Brasil aparentemente será menos menos atingido pelos efeitos de uma guerra tarifária.
Isso porque um embate mais profundo entre EUA e China pode levar o país asiático a comprar menos commodities dos norte-americanos, preferindo fornecedores alternativos de matérias-primas (alimentos, minério, celulose), como do Brasil.
Mas isso vale mais para empresas exportadoras, que também têm mais acesso a capitais internacionais, pontuou Bacci.
Para as demais, os efeitos podem ser diversos, alguns indiretamente negativos. Um desdobramento provável das disputas comerciais entre EUA e China pode ser o que o mercado vem chamando de reconfiguração das cadeias de fornecimento.
Isso vale especialmente para produtos cuja composição depende de diferentes geografias, como nos casos de eletroeletrônicos, veículos e farmacêuticos, em que empresas americanas compram de fornecedores chineses e vice-versa.
Um embate comercial mais amplo entre os dois países pode levar à busca de novos parceiros, o que pode demorar. Esse cenário pode ter como consequências inflação, perda de eficiência e mudanças na concorrência em nível mundial.
“Não era um assunto principal, mas as empresas vão se preocupar mais com isso agora”, disse o executivo. “E o trabalho do CFO (diretor financeiro) é deixar empresa saudável em qualquer cenário”, concluiu.
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