Como ficam os seus investimentos após o ‘Dia da Libertação’ de Trump?

Donald Trump, presidente dos EUA, anunciou novas tarifas para 185 países.

Donald Trump, presidente dos EUA, anunciou, na quarta-feira (2), novas tarifas comerciais para 185 países. É o maior movimento deste tipo desde o início do século XX.

Há uma série de implicações políticas, econômicas e sociais para isso, tendo como pano de fundo, a disputa pela hegemonia mundial e as promessas de campanha do republicano de ‘reindustrializar’ os Estados Unidos.

Essas discussões são longas, profundas e necessárias, mas nesta coluna vamos discutir um aspecto específico: como ficam os investimentos e carteiras, especialmente das pessoas físicas e pequenos investidores brasileiros neste novo cenário mundial.

Warren Buffett e a ideia de que a economia não importa para investir

Warren Buffett, considerados um dos maiores investidores do nosso tempo, defende a ideia de que os investidores não deveriam se preocupar com questões conjunturais.

Ou seja, pouco importa o momento macroeconômico de expansão e recessão e partidos que estão no poder. Esses movimentos são cíclicos e difíceis de serem previstos.

Assim, investidores de longo prazo como ele deveriam simplesmente ignorar essas questões conjunturais e focar na qualidade das empresas investidas. Elas, por sua vez, deveriam ser capazes de ganhar dinheiro e gerar valor ao longo dos diferentes momentos destas questões cíclicas.

Como Buffett pensa em décadas, e não meses, os ciclos passam e se sucedem, sendo neutros na sua decisão de investimentos.

Como esta é a ideia geral do Oráculo de Omaha (apelido pelo qual é conhecido em referência à sua expertise e cidade natal), chama a atenção a entrevista que ele concedeu à rede de televisão CBS na qual comenta sobre as tarifas.

Apesar de ser muito contido em termos de política e não comentar sobre as questões de Trump diretamente, Buffett falou sobre o que elas significam. Na visão dele, são quase como um ato de guerra e geram inflação ao longo do tempo: “Os preços serão mais altos daqui a 10 anos, 20 anos” ele disse.

Essa entrevista marca uma grande exceção na opinião geral de Buffett, de que a economia não importa para investir. Ao comentar sobre as tarifas, fica implícito que o Oráculo as considera muito prejudiciais e que devem ser consideradas nos investimentos, especialmente se forem mantidas por um período longo.

Os efeitos em curto prazo

No curto prazo os efeitos deverão ser negativos para os investimentos, em especial, após a retaliação da China e muitos outros países.

A guerra comercial iniciada pelos EUA está escalando e pode levar a economia americana e a do mundo à estagflação, aquela situação em que há, ao mesmo tempo, inflação e recessão. De acordo com o banco JP Morgan as chances de recessão são de 60% nos próximos meses.

As tarifas geram aumento de preços ao mesmo tempo em que reduzem o crescimento potencial da economia. É uma situação em que todos perdem, diminui a eficiência das cadeias globais de produção e assim gera resultados econômicos negativos.

Refletindo essa situação em que todos perdem, a tendência, em curto prazo, é de queda nas bolsas de valores e ativos de risco, ao mesmo tempo em que há redução nas taxas de juros pagas pelos títulos públicos, em especial os Treasuries dos EUA.

Também as commodities devem perder valor, notadamente o petróleo, pelo risco de recessão. Assim, investidores devem perder na renda variável e nas commodities enquanto os seguros clássicos, como o ouro, podem se valorizar.

Ray Dalio e a ideia da ascensão da China

E os efeitos em longo prazo do tarifaço de Trump?

Ray Dalio, um dos maiores investidores do mundo, com fortuna pessoal de US$ 19 bilhões e gestor do maior fundo hedge do mundo, o Bridgewater Associates, no seu livro de 2021 ‘Princípios para a ordem mundial em transformação’, defende a ideia da decadência dos Estados Unidos.

Segundo ele, em breve, haverá a ascensão da China como a maior potência econômica do planeta, o século XXI será um “século chinês”.

Tendo essa ideia de base, alguns analistas defendem que o ‘Dia da Libertação’ seria uma última e desesperada tentativa dos EUA de enfrentar a China, mas que estaria fadada ao fracasso, pela ascensão inexorável da China, nos moldes da visão de Dalio.

Os EUA perderiam sua proeminência econômica e eventualmente a sua moeda, o dólar, deixaria de ser a moeda de transação internacional.

Logo, se isso se concretizasse, os investimentos migrariam em grande medida para fora dos EUA, devendo os investidores rebalancearem as suas carteiras, diminuído o peso dos EUA e aumentando o da China e demais países.

Essa possibilidade, contudo, ainda é remota.

Os EUA têm as melhores cartas (para usar uma expressão de Trump) para os investimentos globais: a moeda chinesa não é uma alternativa aceita pelos investidores para ser global, já que é mantida artificialmente desvalorizada por Pequim sem nenhuma transparência ou garantia de conversibilidade.

O fluxo de capitais é controlado e a justiça chinesa é subordinada ao partido comunista.

Em outras palavras, ruim com o dólar, pior sem ele.

O renminbi (moeda chinesa) não é uma alternativa realista e os EUA não devem perder sua hegemonia financeira em um futuro próximo ou mesmo em médio prazo.

E o Brasil?

Apesar do mundo como um todo ficar em uma situação pior com o tarifaço, o Brasil deve sair vencedor em uma posição comparativa com os demais países por vários motivos.

Em primeiro lugar, o Brasil recebeu as tarifas mais baixas de todas, ‘apenas’ 10%. A China e seu entorno, receberam tarifas bem mais altas. Isso gera uma vantagem relativa. Por exemplo, o café brasileiro ficará 10% mais caro, mas relativamente mais barato que o café vietnamita que foi taxado em 46%. Ademais o fluxo de comércio do Brasil é relativamente menor que o da maioria dos países do mundo, o que faz com que seja menos afetado.

Em segundo lugar os juros devem cair nos EUA, pelo risco da recessão. Apesar disto não ser garantido, dependente da visão do Fed, pois a inflação tende a subir também, a impressão é, neste momento, que entre o dilema de maior inflação ou recessão, o Fed opte por combater a recessão, reduzindo juros. Neste caso seria muito favorável para o Brasil, pois juros menores permitem maior crescimento econômico, maiores lucros das empresas e tendem a fazer a bolsa subir.

Por fim, a queda do preço do petróleo por medo de uma recessão global dá espaço para a Petrobrás reduzir os preços dos combustíveis, diminuindo a inflação e também permitindo a redução dos juros.
Caso não haja uma forte recessão global, mesmo em uma recessão moderada, o cenário tende a ser favorável para a bolsa brasileira em médio prazo.

O que fazer então?

Apesar do mundo ter mudado com as políticas de Donald Trump, as estratégias de investimentos se mantiveram as mesmas e até se intensificaram.

Dadas as incertezas, ficaram ainda mais importantes os princípios da diversificação e dos investimentos com horizonte de longo prazo, sempre adequados ao perfil específico de investidor.

Para os investidores brasileiros a diversificação internacional continua fundamental, especialmente nos EUA e em dólar.

A pujança da bolsa estadunidense e dos Treasuries tende a se manter em médio prazo. A bolsa brasileira, confirmadas as tendências e sem um cenário de recessão forte no mundo, tende a se valorizar também em médio prazo.

E ficou ainda mais importante contar com hedges nos seus investimentos como ouro, treasuries e opções de venda, para cita alguns.

Inteligência financeira é perceber que a geopolítica mundial pode ter sido transformada pelas políticas de Trump.

Contudo, os princípios básicos de gestão de investimento com horizonte de longo prazo e diversificação geográfica, por moedas e por classes de ativos, com estratégia de possuir hedges, permanece como a melhor forma de construir patrimônio minimizando risco em longo prazo.

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