Santander adota postura defensiva em meio à guerra tarifária, diz economista-chefe da asset

A asset do Santander adota estratégia defensiva diante do choque tarifário, impactando ativos globais e domésticos. Entenda por quê

Empresas citadas na reportagem:

Diante de um choque “sem paralelo” na história recente com o “tarifaço” promovido pelos Estados Unidos, o economista-chefe e estrategista da Santander Asset Management, Eduardo Jarra, revela que a casa adotou uma postura mais defensiva com ativos globais e se mantém tática com os mercados domésticos diante de um ambiente ainda mais incerto.

Jarra mostra preocupação com o efeito que as tarifas podem ter, especialmente na atividade econômica. Ele avalia que a questão global pode ter ecos no Brasil e levar o Banco Central a encerrar mais cedo o ciclo de aperto na Selic.

Veja, abaixo, os principais trechos da entrevista:

Qual sua avaliação sobre o cenário global agora, depois das tarifas anunciadas por Trump?

Estamos em um tipo de cenário que não tem paralelo na história recente. Normalmente, nas nossas discussões, costumamos ter um amparo de poder olhar como algo ocorreu no passado e quais foram os efeitos sobre o mercado e sobre a economia. Agora, como não temos paralelo, entramos no modo mais voltado a hipóteses. Tínhamos mapeado 2 de abril como um dia para termos mais informações, mas o anúncio gerou uma surpresa negativa para o mercado pela dimensão.

Qual era a expectativa da asset para a tarifa média?

Estávamos mais na casa de 10% a 15% no pré-anúncio, assim como o mercado. Por isso [o anúncio] surpreendeu tanto pelo tamanho quanto pelo próprio racional por trás.

Chegamos ao dia 2 com informações razoavelmente diferentes do que era imaginado. Tiramos ao menos uma incerteza [do horizonte], sobre o que seriam as tarifas.

Agora há dúvidas sobre a reação dos países e sobre o espaço de negociação. Isso nos deixa em um ambiente ainda envolto por uma nuvem muito carregada de incertezas para podermos dar mais passos. Entramos em um modo defensivo em termos de gestão.

A Santander Asset está trabalhando, então, com ativos mais defensivos neste momento?

Eu diria que é um tamanho de posicionamento mais defensivo, não necessariamente ativos defensivos. Dado que considerávamos este um evento importante, viemos reduzindo o risco nos diferentes portfólios. Passado o evento, continuamos acreditando que essa postura [de reduzir risco] faz sentido. Entramos num mundo mais desconhecido.

A China reagiu e colocou tarifas de 34% sobre os EUA, o que é uma reação forte; não à toa o mercado foi impactado… Temos que ver o que vai vir de reação dos EUA em relação a isso. Será que parou por aí?

Uma vez que os EUA subiram muito as tarifas, há espaço para negociação? Para mim, o modo mais adequado de trabalhar com esse universo é reconhecer que o grau de incerteza é muito elevado.

Tem momentos em que é preciso esperar, dar tempo ao tempo, não só para digerir as informações, como para esperar para ver como alguns atores vão trabalhar.

Acho prematuro fazer um posicionamento em cima de hipóteses porque as coisas estão muito fluidas.

Já é possível dimensionar algum impacto das tarifas?

Jarra: Sabíamos que um choque tarifário teria dois impactos: um de desacelerar o crescimento e outro, de aumento da inflação. A partir de agora, tentaremos tatear o tamanho desses efeitos. O problema é que ainda não conseguimos ter um quadro claro, porque não sabemos quais são as medidas retaliatórias dos países.

A inflação dos EUA obviamente vai reagir porque o custo dos bens importados aumenta. Mas, uma vez que você tem um aumento de incerteza relevante, isso deveria levar, no mínimo, a um período de reflexão das empresas ou replanejamento, então deveria ter alguma redução de investimento. Além disso, a inflação vai pegar na renda disponível dos consumidores.

Também devemos considerar os impactos do mercado [acionário], porque parte da poupança dos americanos está lá. É preciso pensar também em como é que ficam as cadeias produtivas…

O que esse choque representa para a estrutura produtiva das empresas e o que isso vai significar na prática? Isso me preocupa mais que a inflação.

Podemos ver uma recessão da economia americana?

Aumentou a chance. Precisamos de um pouco mais de informação para saber quão mais provável isso é agora. Mas, definitivamente, subiu.

Acho que a discussão que temos agora é sobre qual a intensidade da desaceleração americana. Imaginando que o cenário fique mais ou menos no que estamos vendo, acredito que é mais provável que a atenção ao crescimento venha a ser mais importante, porque o efeito [no crescimento] vai ser mais preocupante.

Por isso, passado algum período de incerteza e de análise de ambiente, deve predominar [o discurso sobre] corte de juros.

O senhor alterou a perspectiva sobre os cortes do Fed?

Tínhamos nas nossas projeções em dois cortes de 0,25 ponto neste ano e dois cortes para o ano que vem. Estou confortável com o cenário para este ano.

Daqui para frente, é avaliar se terá espaço para mais cortes neste ano, e se algum corte que foi pensado para ocorrer no ano que vem pode já ocorrer em 2025.

Como está um pouco carteira da asset, pensando principalmente em ativos globais?

Começamos o ano com a visão de um cenário positivo para os EUA por conta da economia e da tecnologia. Mesmo com um mercado mais caro, havia ali uma tese que levava ao “excepcionalismo” americano.

Com o aumento da incerteza em torno dos EUA, e ao mesmo tempo com pacotes [fiscais] na Europa e algumas histórias interessantes no setor de tecnologia na China, começamos a ajustar a tese de bolsas globais para algo mais diversificado em termos de geografia.

Antes do evento de quarta-feira, vínhamos adotando uma postura mais defensiva. Hoje, nossa posição de ativos globais está bem mais baixa, em alguns casos próximo da neutralidade, a depender do portfólio.

Nesse pós-evento, a nossa estratégia, enquanto ainda estamos avaliando tudo, é manter essa postura defensiva e, passado um pouco desse furacão, reavaliar a tese.

Com a visão de menor crescimento nos EUA, então estão aplicados em juros americanos?

Não com uma posição direcional. Neste momento, é uma posição que faz sentido. Exercitamos essa posição, ao colocar no pacote de ativos de risco, de bolsas globais, uma composição com renda fixa americana. Gostamos do universo da renda fixa americana como uma composição no portfólio de ativos de risco. Ela, isoladamente, não vemos atratividade. Temos uma posição neutra.

Essa visão mais defensiva também se estende ao mercado doméstico e aos ativos brasileiros?

Também estamos com posições mais próximas da neutralidade em todas as classes de ativos no Brasil. Claro, estamos com uma gestão mais tática avaliando oportunidades mais rápidas para operar. É uma alocação tática mais próxima da neutralidade.

O mercado vinha monitorando a chance de uma desaceleração mais forte do Brasil, mas isso ficou para trás…

Continuamos com uma projeção de crescimento de 2% neste ano e de 1,5% no ano que vem. Não estamos vendo uma economia que está diferente do que imaginávamos que seria para este ano, com um primeiro trimestre forte, com um impacto relevante vindo do setor agro, ainda com o mercado de trabalho muito aquecido que dá impulso. Depois você vai desacelerando um pouco no segundo trimestre, já com menos efeito da parte do setor agropecuário. Para o segundo semestre, os efeitos da política monetária restritiva devem provocar uma desaceleração importante.

Das políticas de estímulo que estão postas, alguma pode impedir essa desaceleração?

Hoje já estamos considerando a questão do crédito consignado e a discussão [da isenção] do Imposto de Renda. Dado o conjunto informacional que está posto hoje, imagino que o Banco Central esteja chegando próximo do final do ciclo. Teremos uma economia que entra em modo de desaceleração gradual. Se o conjunto informacional mudar, avaliaremos os resultados.

Tem viés para o PIB?

Dado o que estamos vendo no mercado de trabalho e no setor agropecuário, além de algumas dúvidas sobre o impulso fiscal, tem um viés altista para a atividade. Duas coisas podem desapontar: a primeira é a política monetária, que está em um patamar restritivo e que opera com defasagens; e o segundo ponto é a questão global, que aumentou o risco baixista sobre a atividade e pode ter, sim, impactos para o BC olhando à frente.

A ponto de antecipar um ciclo de cortes de juros?

O que nós temos discutido é mais o final do ciclo atual. Com o que temos visto globalmente, aumentou a chance de uma Selic a 14,75% no fim do ciclo, que é o nosso cenário. Dentro de um ambiente em que a economia global desacelera razoavelmente, mas não se tem uma interrupção, um problema mais sério, o vetor global vai ajudar no processo de desaceleração da economia brasileira. Pode reequilibrar pelo menos o lado da atividade. Obviamente, temos que ver o saldo com o câmbio, mas isso deveria ajudar o BC, que poderia segurar os juros em 14,75% ou 15,25% para ver os efeitos. Eu veria que o fator global é algo que pode, de fato, aumentar, dentro da distribuição de probabilidades, a chance de o BC ter espaço para cortar em 2026. Dada a situação em que o Brasil está hoje, ainda estamos um pouco distantes da discussão sobre uma eventual antecipação [para este ano].

Com informações do Valor Econômico

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