Hugo Motta: quem é e o que defende o mais jovem presidente da Câmara dos Deputados

Eleito presidente da Câmara dos Deputados para o biênio 2025-2026, Hugo Motta (Republicanos-PB) é médico de formação, tem 35 anos e está em seu quarto mandato como deputado federal.
Escolhido para ser o sucessor de Arthur Lira (PP-AL), ele é mais um quadro do famoso “Centrão” a chegar ao comando da Casa. Com isso, o bloco parlamentar se perpetua consecutivamente no controle da Câmara desde 2015.
Motta é conhecido, nos bastidores, pela sua capacidade de articulação. Foi essa habilidade que o levou à presidência da CPI da Petrobras em 2015, quando tinha só 25 anos. Este foi o primeiro cargo de maior projeção política do deputado, àquela altura já em seu segundo mandato na Câmara, então comandada por Eduardo Cunha.
Na corrida pela sucessão na Câmara dos Deputados, ele derrotou candidatos da direita e esquerda. O deputado foi eleito com 444 votos, contra 22 para o Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) e 31 para Marcel Van Hattem (Novo-RS). O resultado considerou a maioria absoluta dos votantes e não da composição da Casa. 499 deputados votaram, dois votaram em branco.
Analistas acreditam que o deputado deve seguir os passos de Arthur Lira (PP-AL), ex-líder na presidência da Câmara. Uma das heranças do atual presidente para o deputado do Republicanos é a visão crítica de aumento de gastos do governo.
Ao mesmo tempo, Motta deve exigir contrapartidas fiscais para aprovar a isenção de IR do governo Lula.
Hugo Motta deve seguir Lira e adotar ‘conciliação’ com Lula
Hugo Motta é o parlamentar mais jovem na história da Casa a assumir a cadeira. De perfil discreto, ele tem bom trânsito entre partidos de todos os espectros políticos.
Apesar de pertencer a um importante clã político do interior da Paraíba, Motta tem a trajetória política toda construída em Brasília. Chegou à Câmara em 2011, aos 21 anos, e já está no quarto mandato, sempre com votações crescentes. Na última eleição, em 2022, foi o deputado mais votado de seu Estado, com pouco mais de 158 mil votos.
Originalmente ligada ao MDB, a família tem uma longa e influente trajetória política em Patos, município do sertão paraibano com pouco mais de 100 mil habitantes. Seu avô paterno, Nabor Wanderley, foi prefeito da cidade entre 1956 e 1959. O pai, Nabor Wanderley Filho, está no quarto mandato à frente da cidade, que também foi governada pela avó materna, Francisca Motta.
Antes de ganhar projeção com a CPI da Petrobras, Motta chegou a presidir a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, uma das mais importantes da Câmara. Em 2016, no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), votou a favor do afastamento da petista. Dois anos mais tarde, entretanto, saiu em defesa do mandato do ex-presidente Michel Temer, de quem era correligionário.
Jovem, habilidoso e, sobretudo, conciliador
Como deputado, atua próximo ao agronegócio e ao setor financeiro.
Apesar da idade, o parlamentar do Republicanos é elogiado por pares do Senado e da Câmara.
“Ele é jovem, habilidoso e, sobretudo, conciliador”, descreve o senador Carlos Viana (PODEMOS-MG)”. O partido apoiou o líder do Republicanos na eleição da Câmara.
Motta teve seu candidatura lançada após o aval de Ciro Nogueira, líder do PP no Senado. Os dois nutrem uma amizade próxima. O líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL), também é um dos amigos caros à Motta, diz um auxiliar de uma das lideranças à Inteligência Financeira.
Na esteira de queda de popularidade do governo, Motta deve seguir os passos de Lira na Câmara, pondera o analista da consultoria Eurasia, Arthur Scotti.
“A articulação do governo transitará mais facilmente junto a ele”, afirma. Assim, a troca de comando na Câmara deve ser positiva para o governo e para a agenda de Lula, avalia Scotti.
“Principalmente porque o presidente mantém um bom índice de popularidade. Mas em um cenário de queda considerável nos índices de avaliação de Lula, Motta ficará mais pressionado por uma oposição fortalecida.”
Pesaria sobre Motta, nesse cenário, um pessimismo ainda maior do Centrão sobre o governo.
O que pensa Hugo Motta: deputado é contra aumento de gastos
Herança de Lira e até do presidente do Senado Federal e Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o favorito ao comando da Câmara a partir de sábado é contra o aumento de gastos fiscais do governo federal.
Após o anúncio do pacote fiscal feito pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em novembro, Lira e Pacheco prometeram aprovar as propostas de contenção de despesas ainda em 2024.
Quanto ao projeto de aumentar a faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha R$ 5 mil por mês, os dois afirmaram que a medida seria votada em 2025. E somente caso o governo federal demonstrasse que poderia compensar a renúncia fiscal da isenção.
Motta deve seguir na mesma direção, afirma um gestor do mercado financeiro familiarizada com políticos do Centrão.
Para a fonte, existe a expectativa de Hugo Motta até supere Lira na articulação política.
“Ele não deve autorizar a expansão de gastos. Mas deve avançar na reforma da Renda se entregarem uma contrapartida fiscal relevante”, completa o gestor.
A Eurasia concorda com essa avaliação. Além disso, a consultoria acredita que a Reforma do Imposto de Renda deve ser aprovada na primeira metade de 2025. Tanto na Câmara quanto, posteriormente, no Senado.
“Será antes do recesso parlamentar de julho”, diz Scotti.
Ao explicar como Motta deve continuar políticas de Lira no comando da Câmara, o analista diz que o líder do Republicanos é próximo de alguns setores e empresarios.
“O destaque vai para o agronegócio, setor financeiro e imobiliário”, completa.
Adesão de Motta ao governo foi intensa
Hugo Motta tem se mostrado muito próximo do governo nas votações na Câmara desde que Lula assumiu para seu terceiro mandato. Um levantamento da Folha de S.Paulo apontou que o agora presidente da Câmara votou 91% das vezes com o governo a partir de 2023.
“Acredito que a relação nesse começo, pelo menos nesse primeiro semestre, vai ser bastante amistosa (entre governo e presidência da Câmara), com espaço para o governo negociar… E até manter uma certa governabilidade dentro das duas casas (Senado, inclusive)”. A percepção é de Erich Decat, head de análise política da Warren Investimentos.
Além disso, Decat ressalta que Motta esteve ao lado do governo na reforma tributária, apesar de ter votado contra a tributação maior para comercialização de armas, por exemplo. Segundo o analista, neste caso, a questão é mais “ideológica do que fiscal”.
Votação sobre taxação de grandes fortunas
Por outro lado, Motta se ausentou na votação sobre uma emenda relacionada à taxação de grandes fortunas.
“A tendência é que Motta não dê andamento a PLs como este, que desagradem o mercado financeiro. Assim, ele deve focar em negociar outras questões de interesse do governo”, diz Davi Franzon, doutor em Ciência Política e pesquisador da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar).
Decat diz que a taxação deve “enfrentar resistência” dentro do Congresso. E diz ainda que a votação da tributação de JCP e da SSL foi “esquecida” dentro da Casa.
Governo deve pedir a Motta foco em isenção do IR e escala 6×1
Recentemente, José Guimarães, líder do PT, disse que o governo tem para o primeiro semestre de 2025 três pautas centrais. Uma delas é a isenção do IR, que causou mal-estar no mercado financeiro e ajudou a desencadear a desvalorização acentuada do câmbio.
Além disso, o governo deve bancar a pauta de fim da escala 6×1, que chegou a monopolizar as discussões em algum momento no final do ano passado, mas que perdeu tração.
“Essas são duas pautas centrais para a melhora da aprovação do governo, considerando que recentemente Lula disse que havia problemas no nível de aprovação porque o governo não estava fazendo o que prometeu”, ressalta Franzon.
Para Decat, o governo deve enfrentar dificuldade para encontrar compensações à isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil.
Nesse sentido, a correção da aposentadoria de militares, que é outra prioridade vocalizado por Guimarães, não deve ser suficiente para compensar as isenções.
Proximidade com o mercado
Em sua gestão, Motta não deve se afastar do mercado financeiro, do qual foi bastante próximo enquanto deputado. “Ele já deu vários sinais ao mercado financeiro desde o anúncio de sua candidatura, com defesa do superávit fiscal, equilíbrio das contas públicas e redução do déficit público”, avalia Franzon.
Além disso, se manifestou favorável às concessões e, mais importante, disse que a Câmara deveria ter papel mais ativo na modelagem de processo de licitações.
Também nesse sentido, Motta tem falado muito em protagonismo da Câmara em debates sobre essas concessões, além de questões relacionadas a juros e dólar. E sempre pontuando que a Casa precisa ter papel mais ativo. Algo que, segundo Franzon, deve ser explicado com mais clareza agora.
“Afinal, o que significa esse papel mais ativo da Câmara nessas questões econômicas? Ele acontecerá por meio de proposições do Legislativo, audiências públicas, debates dentro da Casa? Ou será mais algo como esperar propostas do Executivo para que a Câmara entre com substitutivos? Além disso, a Câmara vai propor uma revisão da lei de concessões? Tudo isso precisa ser esclarecido”, alerta.
Pós-Lira
O arco de alianças que elegeu Motta conta com partidos de posições mais à extrema-direita até mais progressistas. Isso aponta Motta como um mediador após a era Arthur Lira, que foi caracterizada por pouca convergência entre Executivo e a Presidência da Câmara.
Um dos pontos ainda delicados está na questão das emendas PIX, que acrescentaram de maneira mais direta uma cisão entre poderes, agora com o STF, na figura de Flávio Dino, em rota de colisão com o Legislativo. O ministro criou dispositivos de controle para as emendas que não foi bem aceito por parte importante dos deputados.
Franzon destaca que a implementação do sistema de emendas PIX, ainda no governo anterior, “deu ao Parlamento uma força que ele não tinha… Um poder de agenda, que, historicamente pertencia ao Executivo, e, depois, passou a ficar na Câmara, sob a batuta de Lira”.
A dúvida é se Motta devolverá o poder de pauta ao Executivo. E qual será a contrapartida exigida para isso.
PL da Anistia e o custo político
Por outro lado, Franzon diz que o PT não deve colocar energia para barrar o PL da Anistia, que pode colocar Jair Bolsonaro de volta ao jogo para 2026 caso aprovado. Assim, o PT deve evitar abrir negociações abertamente com o novo presidente da Câmara para barrar o pedido. Entrar nessa briga de cabeça implicaria em gasto de capital político quando o governo precisa aumentar sua popularidade com aprovação de pautas econômicas alinhadas às promessas de campanha.
Segundo o pesquisador da Ufscar, o governo está confiante de que a disputa por poder na oposição pode fazer, sozinha, o papel de manter Bolsonaro inelegível.
“O mais provável é que não haja anistia. Assim, esse bloco (que orbita em torno de Bolsonaro) vai se fracionar e surgirão postulantes, como Tarcísio (de Freitas, governador de São Paulo, Ronaldo Caiado (governador de Goiás) e Romeu Zema (governador de Minas Gerais)”, avalia.
“Além disso, figuras, como Pablo Marçal e outros nomes podem ganhar força, e, aí, haver um fracionamento do bloco. O PL da Anistia vai indicar como vai ser a disputa interna no bloco da oposição, que hoje, apesar de aparentemente estar coeso, não está de fato porque não tem um nome certo (para a candidatura de 2026). Apenas postulantes”, acrescenta o pesquisador.
Motta consolida era do baixo clero no comando da Câmara
A ascensão meteórica de Motta coloca o paraibano na galeria de presidentes da Câmara oriundos do baixo clero. Assim como Arthur Lira, Rodrigo Maia, Eduardo Cunha e outros, Motta emergiu de posições de pouco destaque na política nacional para o cargo mais importante do Legislativo federal.
Por outro lado, a presidência de Motta significa a consolidação também da perda de relevância de partidos de fora do chamado centrão nas disputas pela liderança do Legislativo. Assim, PT, PSDB, que lideraram as disputas pelo Executivo durante duas décadas, e outros partidos tradicionais, com ampla base social, perderam capacidade de disputar a Câmara.
“O chamado centrão passou a controlar o Legislativo. Então, a agenda de projetos do governo continua sendo negociada com esse grupo… O PSDB praticamente deixou de existir. Mesmo o PT, no Executivo, não consegue ter força no Legislativo. Se você olhar para os governos Lula 1 e 2, petistas estiveram no comando da Câmara. Agora, só existe o centrão, em diferentes partidos”, compara Franzon.
Domínio do centrão na presidência da Câmara desde Lula 1
- Efraim Morais (PFL), 2002-2003
- João Paulo Cunha (PT), 2003-2005
- Severino Cavalcanti (PP), 2005
- Aldo Rebelo (PT), 2005-2007.
- Arlindo Chinaglia (PT), 2007-2009.
- Michel Temer (PMDB), 2009-2010
- Marco Maia (PT), 2011-2013
- Henrique Eduardo Alves (PMDB), 2013-2015
- Eduardo Cunha (PMDB), 2015-2016
- Waldir Maranhão (PP), 2016
- Rodrigo Maia (DEM), 2016-2021
- Arthur Lira, 2021-2024
Trajetória de Hugo Motta
Motta começou a carreira na vida público dentro do PMDB, em um programa do partido de formação de novos quadros. Foi eleito pela primeira vez para a Câmara Federal na eleição de 2010. Depois, faz a migração para o PRB, que virou Republicanos.
O novo presidente da Câmara é conhecido por ter trânsito entre todos os partidos, especialmente entre as lideranças. Assim, pesou a seu favor em uma eleição praticamente monopolizada o fato de abrir diálogo tanto com o PL quanto com o PT, que representam a nova dicotomia da política brasileira.
Além disso, conseguiu apoio do PP, e, portanto, das suas lideranças, Ciro Nogueira, muito forte no Parlamento, e do ex-presidente da Câmara, Arthur Lira, a ponto de ter desbancado o poderoso Elmar Nascimento (União Brasil-BA), também muito próximo do ex-presidente da Casa.
Motta presidiu CPI contra PT e foi próximo de Eduardo Cunha
No governo, há desconfianças com relação a Motta por conta de alguns pontos em particular. Um deles é a CPI da Petrobras, da qual ele foi eleito presidente, em fevereiro de 2015, em um dos episódios centrais da crise política em ebulição, e que custou ao PT uma redução considerável na sua participação política, a começar pela destituição da presidente Dilma Roussef.
Nesse sentido, pesa também o fato de Motta ter sido muito próximo de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) quando este foi presidente da Câmara e uma das figuras centrais na crise política brasileira e destituição de Dilma.
Além disso, é próximo de figuras proeminentes do bolsonarismo ainda hoje, como o presidente do PP, Ciro Nogueira.
Leia a seguir