É preciso estar atento às gestões no futebol: o caso Fortaleza

Porque no futebol é fundamental estar atento a tudo, o tempo todo. Errar é fácil e rápido; corrigir dá um trabalho danado

Falei algumas vezes, em colunas ou redes sociais, que o torcedor de futebol é um iludido por natureza. Faz parte do papel de ser torcedor acreditar sempre, torcer sempre, esperar que seu clube vença todas as competições. E que, de preferência, seu principal rival seja o vencido. Tudo certo. Mas dentro de campo. Fora de campo deveríamos esperar comportamentos mais frios e críticos, considerando a história do futebol brasileiro.

Nesse período, no qual as demonstrações financeiras dos clubes são publicadas, viro alvo da ira de muito torcedor, seja porque elogio os clubes que estão bem, seja porque questiono o comportamento de quem está indo pelo caminho mais fácil, porém mais perigoso. Há 16 anos tratando do tema de finanças e gestão no esporte, com foco no futebol, é possível antecipar resultados conforme as ações que os dirigentes tomam.

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A torcida do Botafogo

Nessa semana vimos a ira da torcida do Botafogo. Grande vencedor em 2024, num ano mágico que teve conquistas de Copa Libertadores e Campeonato Brasileiro da Série A, o botafoguense vive em lua de mel com o grupo controlador. Afinal, por que se importar com as finanças e a gestão se em campo só conseguem gritar ‘Campeão’?

Meu papel como analista e consultor não é atacar nem defender ninguém, mas apontar acertos, erros, e indicar caminhos.

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A grande bronca da torcida do Botafogo veio após eu dizer que a SAF e o clube associativo não haviam entregue as demonstrações dentro do prazo, que é 30 de abril. Teve gente que preferiu me atacar porque eu não lembrava qual das leis estava sendo infringida – as SAFs e associações de futebol são regidas pela Lei Geral do Esporte, pela Lei das SAFs e pela Lei das S/As – ao invés de questionar os donos sobre o motivo de não ter publicado os balanços em tempo.

Botafoguense em boa fase

Não é novidade. Os cruzeirenses lembrarão com tristeza do tempo em que eu questionava os números e a gestão do clube, antes de se transformar em SAF.

Vale a mesma coisa para os torcedores do Atlético-MG, especialmente após 2021. Corintianos começam a entender a situação, vascaínos já vão para a segunda onda de salvamento, são-paulinos parecem se preocupar.

O botafoguense está em boa fase, campeão, participante do mundial de clubes.

Mesmo com as informações de que o grupo ao qual o clube pertence, a Eagle Holdings, esteja com problemas para aprovar as contas do Lyon (França), tenha tido dificuldades em conseguir a licença na Bélgica – somente no final de abril/25 cumpriu as cláusulas de garantias necessárias –, não consegue formalizar a venda do Crystal Palace, tem uma pressão de dívida junto a Ares Managemente e postergou pela segunda vez o IPO que pretende fazer nos EUA.

Não estou dizendo que o Botafogo tenha problemas, porque não há informações a respeito. Nenhum balancete intermediário, o balanço está atrasado. Pode estar tudo certo com o campeão brasileiro e da Libertadores, mas a situação do acionista deveria, pelo menos, acender um sinal de alerta na torcida.

O objetivo nunca é afetar o desempenho esportivo do clube.

O corintiano pensou nisso no ano passado, cruzeirenses e atleticanos em outros tempos. A ideia por trás das análises é antecipar movimentos e fazer com que os torcedores cobrem melhores práticas, para que seus clubes sejam sustentáveis e permaneçam competindo para seus filhos, netos e sempre.

Porque é muito fácil e rápido afetar uma boa gestão, mas é complicado reestruturar um clube de futebol.

Quer ver um exemplo? O Fortaleza.

O clube cearense vinha sendo tratado como um oásis da boa gestão. Sem dívidas, excelente desempenho esportivo, estabilidade. Criou uma SAF controlada 100% pela associação enquanto busca um parceiro estratégico minoritário – não acho que acontecerá, mas ok, é uma estratégia.

Pois bem, vamos olhar com cuidado a evolução dos números do clube.

Desempenho Operacional

Desde 2020 as receitas do Fortaleza só crescem. Bons desempenhos nas competições, presença nas copas Sul-americana e Libertadores. Isso trouxe dinheiro direta e indiretamente com bilheteria, sócios e comerciais. É a parte boa.

Entre 2019 e 2022 apenas no ano de 2020 o clube apresentou Ebitda – receitas menos custos e despesas – negativo, por conta da pandemia. Era o Fortaleza da boa gestão, da eficiência: gastava o que podia e com qualidade.

Nos últimos dois anos o clube mudou a rota e passou a fazer mais do mesmo, com custos e despesas acima das receitas.

Daí vemos alguns movimentos que não deveriam ser surpresa para ninguém, mas seguem se repetindo: as receitas estão estáveis desde 2022 quando corrigidas pelo IPCA, o que mostra a dificuldade em dar um salto quando se é um clube regional. Aumenta a obrigação em ser austero e eficiente.

Investimentos

Junto com o crescimento dos custos e despesas veio o aumento de investimentos, fortemente direcionado à montagem de elencos profissionais. Os valores praticamente quadruplicaram desde 2021, enquanto as receitas cresceram apenas 1,5 vezes.

A soma de gastos acima das receitas com aumento de investimentos tem um resultado apenas: aumento das dívidas. É o que veremos a seguir.

Dívidas

Até 2023 o comportamento ainda era aceitável, pois não observamos crescimento relevante e era basicamente composta por dívidas operacionais, com salários, encargos e poucas contratações. Em 2024 o cenário mudou, com aumento expressivo, seja com operacionais, seja em onerosas, indicam tomada de dívidas com bancos.

Parte do crescimento também está associada a comissões para agentes, no valor de R$ 21 milhões conforme nota explicativa nas demonstrações da SAF. E tudo isso levou ao aumento da relação das dívidas de curto prazo com as receitas, que saiu de confortáveis 0,26 para 0,61.

Resumindo

Os números indicam que um sinal amarelo foi aceso em relação à condição econômico-financeira do Fortaleza.

Já não é mais tão sólido como antes.

Por mais que tenha vendido atletas em 2025 e isso ajuda a gerar receitas para equilibrar as contas, o fato de ter dois anos seguidos de desempenho operacional negativo e junto com mais investimentos ter aumentando substancialmente as dívidas, é um sinal de que a gestão deixou o caminho que o trouxe até aqui.

Mais do mesmo na indústria do futebol.

Este é o trabalho de alerta que precisa ser feito em relação às gestões que saem da linha, e de recomendação das que encontraram uma rota em direção à sustentabilidade. Não é um ataque aos clubes e seus torcedores, nem mesmo uma defesa apaixonada de quem faz certo. Porque no futebol é fundamental estar atento a tudo, o tempo todo. Errar é fácil e rápido; corrigir dá um trabalho danado.

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.

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