Flamengo e Palmeiras: clássico dentro e fora do campo

Temos dois clubes ainda equilibrados e saudáveis. Flamengo com mais folga, o Palmeiras experimentando o limite.

Começou a temporada de publicações das demonstrações financeiras dos clubes brasileiros de futebol. Como era de se esperar, Flamengo e Palmeiras divulgaram seus balanços um mês antes da data-limite, mostrando organização e, naturalmente, números positivos. Nesta coluna vamos fazer um comparativo de ambos, e explicar algumas movimentações que ajudam os torcedores a entenderem os números dos seus clubes.

Vamos começar pelas receitas.

Para os flamenguistas a boa notícia é o crescimento das receitas recorrentes, o que mostra evolução na sustentabilidade do clube, enquanto os palmeirenses veem crescimento impressionantes nas receitas totais, lastreado na negociação de atletas, pois as receitas recorrentes tiveram ligeira queda. Poucas dúvidas de que serão as duas maiores receitas do futebol brasileiro em 2024, a depender do Corinthians.

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Se o Palmeiras conseguiu valorizar a base e a boa seleção de atletas vindos de outras equipes, o Flamengo segurou vendas e focou na gestão cotidiana. Vamos ver, então, de onde vieram essas receitas.

O Flamengo teve receitas 14% maiores que as do Palmeiras, que se apoiou na negociação de atletas para atingir o valor recorde.

Em todas as outras receitas o clube carioca foi substancialmente maior que o rival paulista. As receitas com direitos de transmissão do Flamengo estão turbinadas pelos R$ 90 milhões da conquista da Copa do Brasil, mas sem o prêmio ainda seria 49% maior que a do Palmeiras. Aliás, diferença que tende a ser menor a partir de 2025 com a nova distribuição dos direitos do Campeonato Brasileiro.

Nas receitas com negociações de atletas há uma mudança na contabilização a partir de 2025: assim como na Europa, os clubes lançam os valores líquidos, excluindo o valor pelo qual o atleta estava registrado no ativo. Para melhorar a comparação ajustei os números acima, que contemplam a venda bruta. Este ajuste aumenta o valor das receitas em relação ao que os clubes publicam.

Flamengo e Palmeiras: custos e despesas

Mas para onde foi parte do dinheiro arrecadado? Para clubes equilibrados ele paga salários, custos da atividade e investimentos em atletas. Vamos ver o que os clubes fizeram em 2024.

O Flamengo rodou o ano de 2024 com custo total de R$ 930 milhões, representando 72% das receitas totais. A maior parte, naturalmente, foi para o pagamento de salários, encargos e premiações.

Já o Palmeiras utilizou 58% das receitas para rodar a atividade em 2024. Se analisarmos apenas os salários do esporte em relação às receitas recorrentes, os percentuais seriam de 46% para o Flamengo e 63% para o Palmeiras. Isso mostra um esforço da gestão palmeirense para buscar maior competitividade, gastando proporcionalmente mais que o rival carioca.

Agora, parte da diferença está nos demais custos.

O Flamengo gasta muito mais com jogos e na gestão das atividades esportivas que o Palmeiras. Só dos chamados ‘Gastos com jogos e competições’ o Flamengo aplicou R$ 125 milhões em 2024 contra R$ 30 milhões do Palmeiras. O motivo da diferença? Não sei dizer, porque não há detalhamentos. Parte pode estar nas despesas administrativas, que no Palmeiras são R$ 39 milhões maiores.

E o famoso Ebitda, como ficou?

Ao deduzirmos custos e despesas das receitas totais, nos resta o Ebitda, medida de resultado operacional sem as amortizações e depreciações. Ou seja, quanto sobrou de dinheiro, teoricamente, para pagar dívidas, custo financeiro e investir. Digo teoricamente porque ainda há que se considerar se as receitas entraram toda no ano ou entrarão parceladas, por exemplo. 

Mas é uma medida que nos ajuda a entender a atividade.

Eis que o Flamengo obteve resultados consistentes nas duas visões, recorrente e não-recorrente, enquanto o Palmeiras precisou da negociação de atletas para que ‘sobrasse’ dinheiro. Novamente, mostra o esforço necessário para ser competitivo, e que só pode ser feito se o clube estiver equilibrado.

Investimentos

Números breves: o Flamengo investiu R$ 413 milhões em aquisição de direitos esportivos enquanto no Palmeiras o número do ano foi R$ 290 milhões. Mas em dezembro, já pensando em 2025, o clube alviverde investiu mais R$ 267 milhões, valor que entrou em 2024 mas cujos atletas serão utilizados em 2025. Essas aquisições resultaram em aumento de dívida.

Dívidas

Chegamos ao momento que assusta muitos clubes: as dívidas.

Primeiro, uma explicação: considero como dívidas as contas que demandam pagamento (bancos, fornecedores, clubes, impostos parcelados), os salários e encargos – geralmente não são dívidas consideradas no mundo corporativo, mas como no futebol os meses possuem 90 dias (não são os casos de Flamengo e Palmeiras), precisam ser analisadas.

E, consideram também os adiantamentos. Por que? Porquê são receitas cujo dinheiro já entrou no caixa, mas só serão consideradas no balanço no futuro.

Daí, se não as considerarmos a análise em relação às receitas e ao fluxo de caixa fica equivocada. Se o clube apresenta 100 de receitas, mas já adiantou 10, então na realidade ele teve só 90 de entrada de caixa. Só que nas demonstrações veremos uma receita de 100.

A partir daí deduzo apenas as disponibilidades – caixa e aplicações – para calcular a dívida líquida. Há quem também deduza o contas a receber, porque considera que é dinheiro que entrará no caixa. Nem sempre é verdade, basta ver a quantidade de problemas de pagamento entre clubes que vimos em 2024. O Flamengo sofreu com algumas delas, inclusive.

Um erro que se comete é pegar todo o passivo e deduzir o ativo.

Este não é um cálculo de dívida, mas de liquidez. São coisas diferentes. Liquidez é uma análise da capacidade de pagamento dos passivos HOJE, se os ativos fossem liquidados. A divida é quanto o clube está obrigado a pagar.

O dinheiro dos ativos pode virar investimento, pode pagar despesas financeiras, e não necessariamente a dívida. Porque o clube continua operando muitas vezes em déficit e crescendo o endividando. Sem contar que acabam sendo utilizados dados equivocados e que desvirtuam a análise.

Por exemplo, no caso do Palmeiras: está registrado no ativo circulante um valor de R$ 272 milhões referentes às contratações de Paulinho e Facundo Torres.

Estão ali porque em 31/12 ainda não podiam ser registrados porque a janela estava fechada. Em 02/01 já foram transferidos para o Diferido. Aquele que fez a análise de liquidez no lugar de dívida diminuiu o número do clube.

Enfim, voltando aos nossos clubes

Curiosamente os números estão bastante parecidos. As dívidas de curto prazo contêm uma parcela relevante de valores a pagar a clubes pela contratação de atletas – no Flamengo são R$ 222 milhões e no Palmeiras são R$ 258 milhões – e se somarmos entre curto e longo prazos, o Palmeiras deve R$ 555 milhões para clubes e agentes, enquanto o Flamengo deve R$ 383 milhões.

São clubes que estão se endividando pensando no futuro, e não resolvendo problemas do passado.

Mas olhar apenas o número significa pouco. É preciso comparar com algo, e nos clubes de futebol costuma-se comparar com as receitas, dado a volatilidade do Ebitda.

Na dívida total o Palmeiras ultrapassou uma barreira que levanta um sinal de atenção, que é da relação entre Dívida Total e Receita Recorrente de 1,1x. Clubes perdem sua capacidade financeira quando dependem de vendas de atletas para fecharem suas contas. Neste ponto o Flamengo ainda tem gordura, operando com 0,6x.

Já na dívida de curto prazo ambos estão dentro de limites aceitáveis, operando entre 0,5x e 0,6x as receitas totais. De qualquer forma, os clubes precisam estar atentos a esses números, porque basta um deslize para colocar em risco reconstruções suadas.

No frigir dos ovos, temos dois clubes ainda equilibrados, saudáveis, usando de suas armas para se manterem competitivos. O Flamengo com mais folga, o Palmeiras experimentando o limite. Seguem justificando, do ponto de vista econômico-financeiro, a imagem de mais fortes candidatos às conquistas esportivas.

Basta que não esqueçam duas máximas: ‘Cash is King’ e ‘Dinheiro não aceita desaforo’.

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