Corinthians: boas notícias de 2024 que não escondem a gravidade da situação

Quantia que o Corinthians gastou de juros é maior do que 16 clubes gastaram na operação do ano inteiro de 2023

Eis que temos as demonstrações financeiras do Corinthians referentes a 2024. Entre boas e más notícias, entre ajustes que melhoram os números e ausência de informações que nos ajudam a entendê-los, recomendo tirar as crianças da sala antes de apresentarmos os dados que virão a seguir.

Corinthians: primeiro, a boa notícia

A boa notícia da temporada foi o aumento das receitas. E antes de falar disso, é importante uma informação: os números apresentados consideram receitas e custos e dívida da Arena Neoquímica obtidas numa apresentação que a diretoria do clube fez. E para fechar as contas, lançamos a diferença como patrimônio líquido. Diferentemente do que ocorreu em 2023, o Corinthians não divulgou um balanço pro-forma somando clube e arena. Impossível falar de finanças do clube sem considerar a dívida do estádio.

Receitas totais crescem

As receitas totais cresceram 14% e as recorrentes 8%. O maior destaque foram as Comerciais, com 77% de aumento (e aqui há um valor não recorrente de luvas pela assinatura do contrato de patrocínio master). Outro item que contribuiu positivamente foi a negociação de atletas, que atingiu R$ 267 milhões brutos, contra R$ 192 milhões de 2023.

Ao incluirmos a divida da arena na conta é justo incluirmos as receitas e os custos da atividade.

Se as receitas cresceram, os custos as acompanharam. Em 2024 o valor total de custos e despesas foi de R$ 791 milhões, crescimento de 21% em relação ao valor de 2023, já corrigido pelo IPCA. Ou seja, crescimento real, assim como as receitas.

Depois de um ajuste nos anos de 2020 e 2021 por conta da pandemia, os valores voltaram a crescer puxados por custos e despesas não relacionados a salários. E para 2024 houve movimentações em várias linhas, sendo que uma delas foi a multa paga à Pixbet no valor de R$ 40 milhões, mas que não há indicação de onde está alocada.

Não há detalhamentos sobre a composição dessas contas, mas o clube fez um ajuste importante nas despesas: até 2023 os valores de direitos de imagem dos atletas ficavam alocado dentro da conta ‘Serviços de Terceiros’, o que reduzia o valor gasto com salários nas análises, parecendo mais controlado que a média de mercado. A partir de 2024, e corrigindo os dados de 2023, esses valores passaram para a conta ‘Pessoal’.

Ainda assim, vemos crescimento em algumas contas: ‘Serviços de Terceiros’, ‘Administrativas’ e nos custos e despesas da Arena, obtidos num documento adicional às demonstrações do clube. E faremos uma simulação excluindo os custos e despesa da arena e supondo que a multa da Pixbet esteja dentro das despesas ‘Administrativas’.

Aliás, mais uma falha nas divulgações: não há nenhuma menção ao valor da Pixbet, que foi obtido no material adicional feito pelo clube, mas também sem indicação de onde ele está alocado.

Considerando a simulação, os valores de custos e despesas de 2024 teriam sido equivalentes a 2023, em termos reais. Mas como é a história do clube em relação ao desempenho operacional?

Entre 2013 e 2020 o clube sempre precisou negociar atletas para cobrir o déficit operacional, mas a partir de 2021 a operação em termos recorrentes passou a ser positiva, o que indica que as receitas cresceram acima das despesas. Mas como o clube chegou ao cenário atual? Vamos primeiro falar sobre as dívidas.

As dívidas do Corinthians

O histórico de comportamento da dívida do clube tem três momentos:

Entre 2018 e 2020 há um grande salto pré-pandemia, reforçado pela Covid em 2020. Depois disso há uma certa estabilização, que na verdade são crescimentos mais lentos até 2023, se desconsiderarmos a dívida da arena, que não era divulgada até então.

Novo salto

Mas em 2024 há um novo salto mesmo se desconsiderarmos a arena: aumento de 41% sobre 2023. São mais de R$ 100 milhões nas onerosas, representados pelo empréstimo da LFU, cujo pagamento tende a ser feito através de composição com o valor a ser pago pelos direitos de transmissão –, se o valor não atingir um mínimo garantido a diferença vem do perdão proporcional dessa dívida.

Nas dívidas operacionais vemos crescimento de R$ 233 milhões, ou 45% em relação a 2023. Isso vem dos valores a pagar a clubes, fornecedores e dos recolhimentos de salários e encargos. Só a parte de IR retido na fonte tem aumento de R$ 71 milhões. Não parece razoável. Por fim, os ‘Impostos e Acordos’ renegociados aumentaram R$ 112 milhões.

Logo, se a operação não é um problema, a dívida é.

Além da obrigação de pagamento, sobre ela incidem encargos financeiros, que em 2024 foram de R$ 368 milhões incluindo a arena. Se desconsiderarmos R$ 58 milhões que foram apenas a correção de saldo de longo prazo, então, o clube teve que pagar R$ 310 milhões.

Agora, considerando que o Ebitda – diferença entre ‘Receitas’ e ‘Custos/Despesas’ – foi de R$ 388 milhões, quase tudo foi consumido com pagamento de juros sobre as dívidas.

Ainda há movimentações de capital de giro – receitas que não são recebidas e despesas que não são pagas no ano –, mas o conceito é bem claro: tudo que sobra da operação vai para pagar juros.

Para se ter uma ideia do impacto, se considerarmos 2023 as despesas financeiras de 2024 foram menores apenas que os orçamentos de Flamengo, Palmeiras, São Paulo e do próprio Corinthians. Ou seja, o que o clube gastou de juros é maior do que 16 clubes gastaram na operação do ano inteiro de 2023. Com o encarecimento do futebol em 2024 o impacto deve ser menor, mas ainda assim superior aos custos e despesas operacionais de pelo menos 10 clubes da Série A do ano passado.

Parte dessa dívida deve-se aos R$ 206 milhões de contratações de 2024. E que agora entram num processo de renegociação alongada coordenado pela CNRD, além da centralização de execuções de passivos. São passivos assumidos não por uma necessidade, mas de forma deliberada, para tentar ser mais competitivo do que sua capacidade. O que acaba prejudicando outros clubes, funcionários, e o estado, mas preservando o clube.

O que vemos em relação ao Corinthians é o resultado de gestões que não se incomodaram em trazer o clube a esta situação, mas também pela falta de comprometimento da indústria em trabalhar para evitar isso. Qual a garantia que ao final de 2025 este número não será pior? E qual a forma de controlá-lo para que não siga aumentando o risco do sistema?

Perguntas que ninguém quer responder, porque demandam ações conjuntas, reconhecimento de falhas, e alimentam um sistema que não quer evoluir.

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