A necessidade de regulamentação no futebol brasileiro: o benefício (exagerado) da recuperação judicial
O futebol brasileiro não é uma indústria comum. Para essas, o mercado pune. Precisamos seguir evoluindo como negócio.

Em 2019 participei de um estudo feito em conjunto com a EY para a CBF através do qual medimos o ‘PIB do Futebol’ brasileiro. Naquele momento, nossos cálculos apontaram para algo como R$ 53 bilhões, o que representava 0,72% do PIB brasileiro. Se mantivermos o percentual para 2024 chegamos a R$ 84 bilhões.
A origem disso tudo não está nos jogadores, na imprensa, nas federações e confederações. Está nos clubes de futebol. São eles que empregam jogadores, que arrastam torcidas, que sustentam as federações e confederações. São eles que criam sonhos e sustentam essa indústria.
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Entretanto, se tomarmos o número acima como referência, os clubes de futebol movimentam em receitas diretas não mais que 15% do PIB da indústria. E dívidas também dessa magnitude, o que mostra um descaso em relação à gestão e sustentabilidade daqueles que são os pilares dessa indústria.
O negócio futebol é sui generis e por isso não podemos traçar paralelos diretos com outras indústrias. Todos os anos os competidores partem do mesmo ponto, possuem clientes cativos, correm risco de deixarem os maiores mercados e terem de disputar competições menores – e vice-versa –, os resultados podem sofrer influência externa de arbitragem – inclusive a partir do instrumento que deveria reduzir erros, o VAR –, os funcionários recebem mais que os gestores, e por aí vai.
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E como tudo isso afeta diretamente a capacidade financeira dos clubes, eles vivem enrolados em gestões imediatistas e descontroladas, justificadas pela “necessidade de ser competitivo” frente ao adversário, e pelos louros da conquista: “O maior presidente da história do clube”.
Por isso precisamos de controles, de diversas ordens
Falamos muito sobre Fair Play Financeiro, que serve para controlar os gastos e evitar dívidas impagáveis, atrasos que afetam todo o sistema. Mas o sistema é apenas um dos que precisam ser constituídos para buscar trazer excelência ao futebol brasileiro.
Por exemplo, a data-limite para divulgação de informações financeiras por qualquer clube, seja associação, limitada ou SAF, é 30 de abril.
No último dia 30, havia três clubes de Série A que não divulgaram informações: Juventude (que já publicou), Botafogo e Atlético-MG. Isso desrespeita a Lei Geral do Esporte, que rege a indústria no Brasil. Há sanções previstas, mas ninguém designado para acompanhar os casos, apurar as quebras e sancionar os clubes.
Logo, fica tudo por isso mesmo.
E como não há controles e um órgão que possa monitorar os clubes, muitos apenas abandonam qualquer traço de boa gestão e desandam a gastar a fazer dívidas.
O resultado disso é que temos visto o aumento da quantidade de recuperações judicias, extrajudiciais e apelos aos Regimes Centralizados de Execução como forma de tentar postergar o problema. Com a benevolência de quem julga essas ações.
O caso do Corinthians
Veja o Corinthians e sua proposta junto à CNRD – Câmara Nacional de Resolução de Disputas –, que deveria ser um órgão para garantir que os credores relacionados à atividade fossem preservados.
Eis que o órgão que deveria preservá-los concedeu seis anos de prazo para o Corinthians pagar dívidas trabalhistas e a outros clubes, enquanto gasta milhões com um novo treinador, com contratações e tudo mais que levou o clube paulista a dever R$ 2,5 bilhões. O credor que se contente com as migalhas, especialmente os que caíram para a Série B, como o Cuiabá.
Outro caso recente é o Vasco da Gama SAF
Entrou com pedido de recuperação judicial, o que já garante um período sem ter que pagar credores, e uma das propostas a credores trabalhistas é de pagar apenas 8% do valor da dívida, limitada da R$ 227 mil, e paga apenas 12 meses após a aprovação do plano. Para outra categoria, que aceitou o plano, os valores serão pagos integralmente, mas em 10 anos.
Enquanto isso o Vasco contrata novo treinador, oferecendo salário milionário. Não estou questionando se o treinador do Vasco ou do Corinthians merecem ou não o quanto receberão. Não me interessa. Mas interessa ver que no futebol não há o compromisso de controle, pois o objetivo é sempre gastar hoje e pagar muito depois, se for para pagar.
O Avaí aprovou o plano de recuperação judicial e em 2024 obteve R$ 19 milhões de redução nas dívidas por conta do ajuste proposto no plano, mas aumentou seus custos operacionais – basicamente remuneração de elenco – em R$ 14 milhões. O resultado foi aumento em R$ 15 milhões nas dívidas, mesmo tendo recebido mais de R$ 40 milhões da LFU. Quem pagou a conta foi o credor.
Alias, credor que muitas vezes é parte do problema.
Qualquer profissional que assinou contrato com Vasco da Gama, Avaí e Corinthians nos últimos anos deveria saber que existia um risco razoável de não receber e isso virar um acordo a perder de vista.
Quem vendeu jogadores para esses clubes também deveria estar ciente.
Em outras indústrias, se faz análise de crédito antes de realizar uma venda a prazo, ou analisa-se a empresa antes de aceitar um novo emprego. No futebol, criamos a poupança contratual, através da qual os profissionais recebem valores recorrentes por muitos anos de diversos empregadores.
Precisamos criar regras para controlar o futebol.
Criar regras e jurisprudências que adicionem valor a quem faz tudo corretamente, e sancionem quem vive de maneira descontrolada. Os clubes são a fonte de sustentação do futebol. Mas pode ser necessário perder alguns anéis para mantermos todos os dedos. Só não podemos mais seguir deixando para lá, porque fica uma porta aberta para que, no futuro, outro se beneficie da falta de regulamentação.
O futebol não é uma indústria comum. Para essas, o mercado pune. Precisamos seguir evoluindo.