O clima, a crise sem fim do cacau e a inflação dos ovos de Páscoa que chega a 9,5% neste ano

A inflação dos ovos de Páscoa chegou a 9,5% neste ano ante 5% da inflação acumulada nos últimos 12 meses, medida pelo IPCA

E se o chocolate se tornar artigo de luxo? Essa é uma realidade ainda utópica. Mas será assim para sempre? Levantamento da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) indica que os ovos de chocolate estão 9,52% mais caros nesta Páscoa. E nos últimos três anos o aumento acumulado do produto mais famoso desta época chega a 43%. É a inflação dos ovos de Páscoa.

É verdade que embora constante, o ritmo dos aumentos se reduziu. Em 2023, foi de 18,61%. Em 2024, de 10,33%. Para efeito de comparação, a inflação acumulada medida pelo IPCA, o índice oficial para medir a alta de preços no Brasil, nos últimos 12 meses, foi de 5,26%, de abril de 2024 a março de 2025.

Voltando aos preços dos ovos de Páscoa, essa ‘redução’ pode ser explicada mais ou menos assim: toda vez que um produto sobe muito, há o risco do consumidor deixar de comprá-lo. E é isso que ocorre com os ovos de chocolate atualmente. A análise é de Guilherme Moreira, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fipe.

Para o consumidor, a notícia não é boa. O especialista afirma que “o chocolate em si vai continuar sendo afetado pela crise do cacau”. Ainda de acordo com ele, “pode ser que até o fim do ano (o preço) estabilize, mas vai demorar para esta crise acabar, ainda mais (por) ela ser imprevisível, tendo em vista que depende do clima.”

A crise do cacau

A produção mundial de cacau enfrenta desafios severos.

Dois dos maiores fornecedores globais, Costa do Marfim e Gana, responsáveis por quase 60% da oferta mundial, sofreram com safras reduzidas por conta de mudanças climáticas extremas. A baixa renovação das lavouras, a falta de irrigação e a escassez de mão de obra tornam a cultura vulnerável a oscilações climáticas.

A crise no Brasil não é diferente. E para piorar, é ambígua. Há severas enchentes como as que castigaram o Rio Grande do Sul no ano passado. E estiagens, não menos intensas, no Centro-Oeste, Sudeste e na região Norte do País. É lá onde está um polo importante de produção do cacau.

Problemas que os produtores tentam lidar. Tuta Aquino, dono da fazenda Santa Rita e da fábrica de chocolate Baiani, afirma que “foram encontradas variedades que são mais resistentes as pragas e mais produtivas e todos os agricultores têm introduzido essas variedades”.

Mas com o cenário atual, de oferta reduzida, os preços do cacau atingiram recordes. Um número chamou a atenção no ano passado. Na Bolsa de Nova York, a tonelada do cacau atingiu em abril a marca recorde de US$ 12 mil (a média do ano estava, em novembro de 2024, entre US$ 8 mil e US$ 9 mil). Em agosto de 2022, esse valor era de US$ 2.394.

Alternativas para driblar o aumento nos preços

A crise do cacau não será solucionada rapidamente. E diante desse cenário, algumas empresas e consumidores têm buscado alternativas para manter a tradição dos ovos de Páscoa sem comprometer o orçamento e para reduzir os efeitos da crise sem repassar integralmente os custos ao consumidor.

Há esforços para melhorar as condições de cultivo e incentivar a renovação das lavouras, mas a fisiologia da planta está sendo afetada gravemente por um clima que não respeita mais os padrões de cinco, seis anos atrás.

Mesmo com essas alternativas, a expectativa é que os preços dos ovos de Páscoa continuem altos. E isso afeta indústria e o consumidor. No site da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), o CEO da entidade, João Dornellas, indica que o governo federal não pretende fazer intervenções heterodoxas no mercado. Isso foi no fim do ano passado.

Já Alessandro de Lara, especialista em commodities, afirma que “grandes marcas estão buscando contratos de fornecimento mais longos e seguros para evitar a volatilidade dos preços e garantir estoque suficiente para a produção.”

Ele afirma ainda que algumas empresas investem em cadeias de suprimentos sustentáveis e em programas de apoio a agricultores para garantir que a produção seja mais estável no futuro.

Panorama do chocolate

Embora as chuvas recentes tenham melhorado as projeções para a safra intermediária de 2025 na Costa do Marfim, por exemplo, especialistas apontam que a produção global ainda deve ficar abaixo dos níveis registrados antes de 2023. Isso significa que os preços podem continuar elevados, pressionando a indústria e pesando no bolso do consumidor.

A Abia afirma, também em seu site, que o setor busca eficiência produtiva e inovação para minimizar os impactos da alta do cacau. Mas governos de alguns países produtores implementaram medidas para controlar exportações e garantir que a valorização do fruto beneficie os agricultores locais. Para Alessandro de Lara, essas ações podem levar a mudanças nos fluxos de exportação, impactando ainda mais a disponibilidade global da matéria-prima.

Mas nos últimos anos, a pequena indústria do chocolate já enfrentava desafios com o aumento dos custos de produção. Claudia Gamba, dona da fazenda baiana Bonança e da marca de chocolates Mestiço, afirma que “não é mais possível produzir chocolates a preços de antes de 2024.”

De volta à Páscoa: e o cliente?

Um giro rápido pelo comércio – físico e online – parece indicar uma estratégia da grande indústria para fisgar o consumidor. Chocolate com brindes.

No site da Cacau Show, um ovo de 170 gramas vem com uma almofada do icônico personagem Garfield. Custa quase R$ 150. Há outros exemplos e personagens. Ursinhos Carinhos, a turma do Charlie Brown e até um ovo de Páscoa licenciado pelo clube de futebol alemão Bayern de Munique.

A Cacau Show não é a única. A Kopenhagen lançou o ovo da personagem Moranguinho. No site da marca, ele pesa 120 gramas, vem com uma boneca e custa quase R$ 170.

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Ovo de páscoa linha kids Cacau Show / Creditos: Rafael Altavista – Cacau Show

Mas o aumento dos preços medido pela Fipe, sem dúvida, impacta o consumidor. A estratégia tem sido buscar alternativas: comprar barras de chocolates e bombons. Vai ser a Páscoa da lembrancinha?

Seja como for, mesmo com os aumentos, as marcas contam com a fidelidade do consumidor. Mariana Sarmento, de 20 anos, cliente fiel da Cacau Show, afirma que “desde criança minha família tem o costume de trocar ovos de Páscoa da Cacau Show, apesar do aumento do aumento do valor vamos continuar comprando, por causa da qualidade do produto”.

Estagiária sob a supervisão do editor Daniel Fernandes

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