Inadimplência será ‘teste de fogo’ para fintechs

Inadimplência pode ser a mais alta desde a crise de 2016, quando bancos digitais ainda eram pouco relevantes no crédito

O ciclo de aumento da inadimplência que está em fase inicial neste momento pode ser o maior desde o início de 2016, tranformando-se assim na primeira grande prova de fogo para fintechs e bancos digitais que oferecem crédito. São instituições que atuam de forma mais ágil na concessão de empréstimos, e ganharam escala ao longo dos últimos anos, a reboque das iniciativas adotadas pelo Banco Central (BC) para fomentar a concorrência nesse setor.

Segundo dados do Banco Central, entre as maiores fintechs de crédito e bancos digitais do Brasil hoje estão nomes como Nubank, com carteira de R$ 28,006 bilhões, Inter (R$ 14,789 bilhões), C6 (R$ 11,782 bilhões), Original (R$ 11,024 bilhões) e Agibank (R$ 7,112 bilhões).

Ao divulgar seu balanço do quarto trimestre, o primeiro após a abertura de capital, o Nubank foi muito questionado por analistas se continuaria acelerando no crédito mesmo diante de um cenário econômico difícil. Na ocasião, a resposta do CEO, David Vélez, foi que o banco está capitalizado e isso pode até abrir oportunidades para ganhar participação de mercado mais rapidamente. Ainda assim, o vice-presidente financeiro, Guilherme Lago, afirmou que a companhia não está cega em relação às expectativas de deterioração do cenário e que, se preciso, vai ajustar o ritmo de concessão. “Nossa carteira tem curta duração, podemos agir facilmente, retrair se precisar, ou mesmo ajustar em termos de preços. Estamos preparados para agir se as condições se desviarem do cenário que temos”, disse.

O Agibank, especializado em crédito para pessoas com mais de 50 anos e renda até R$ 5 mil, fez dois movimentos visando conter o risco de inadimplência. A instituição optou por não continuar no ritmo de crescimento da carteira – em 2021, o saldo de consignado aumentou 389%, para R$ 4,5 bilhões – e também investiu em melhorias na modelagem de concessão de crédito. Ainda assim, não houve uma queda do índice de pagamentos em atraso, o que demonstra que “a pressão da inadimplência já está aí”, diz Vinicius Aloe, sócio e diretor de produtos da fintech. “Temos a inadimplência controlada porque trabalhamos para conter as pressões inerciais, que já estão aparecendo.”

Aloe diz que o banco também vem adotando medidas de renegociação e chegou reduzir em 18% o juro médio da carteira, com o objetivo de limitar o comprometimento da renda dos clientes. “Fizemos porque temos um modelo de crédito assertivo, com clientes com quem temos relacionamento”, diz.

Já o Inter divulgou na semana passada sua prévia operacional do primeiro trimestre. A inadimplência da carteira era de 3,3% em março, ante 2,8% em dezembro. Para analistas do Citi, a desaceleração na originação, junto à piora na qualidade de ativos no negócio de cartão de crédito (a inadimplência da linha subiu 1,4 ponto percentual), pode demandar “cautela à frente”. “Os benefícios positivos do ‘corona voucher’ ao longo de 2020 ainda podem estar beneficiando a inadimplência e, com o fim dele, podemos ver o índice do sistema financeira como um todo aumentando.”

Segundo Genaro Lins, diretor de crédito da Open Co (resultado da fusão entre as fintechs de crédito Geru e Rebel), ter oito anos de vivência e já ter enfrentado várias crises ajuda a companhia, mas ainda assim é impossível escapar de uma inadimplência “sistêmica”, muito decorrente da inflação.

“Uma boa gestão de crédito não pode ser só baseada em modelos estatísticos, algoritmos. Ela precisa entender as necessidades do cliente, ter executivos experientes na equipe, até para saber a capacidade de pagamento dos tomadores. As fintechs que dependem somente de modelos podem ter problemas, porque esses modelos nunca conviveram com uma situação como essa de deterioração tão rápida da renda.”

Na Open, Lins afirma que a crise pode ser uma oportunidade para conquistar mercados, já que a fintech sabe distinguir o bom pagador e pode se beneficiar de clientes que estão trocando dívidas mais caras. Por isso, diz que a carteira pode dobrar novamente de tamanho neste ano. Segundo ele, a companhia já observa que alguns clientes estão com as contas mais apertadas e, assim, tem dado mais flexibilidade que o usual. “Houve uma redução significativa da capacidade de pagamento por conta da inflação, e existe um número de [trabalhadores] informais muito maior no pós-pandemia, então naturalmente a inadimplência vai ser mais alta do que no pré-covid.”

O CEO de um banco de médio porte, que vem passando por um forte processo de digitalização, diz que o desempenho da inadimplência pode ser pior do que o discurso oficial das grandes instituições deixa transparecer. “Nós temos a guerra, depois a eleição começa a ganhar força, e passado o pleito os Estados Unidos já estarão em um processo mais forte de alta de juros. Vai ser um ano mais difícil”, afirma.

Nos ciclos de crédito, é esperado que a inadimplência cresça primeiro para pessoas físicas e, então, atinja as pessoas jurídicas. Mas já há sinais de alerta para as empresas, sobretudo para as de médio e pequeno porte. Para João Coronel Lustosa, diretor de crédito do Banco Fator, as instituições financeiras “tiveram sensibilidade” e fizeram o que deveria ser feito ao dar mais prazo para os clientes na pandemia. Mas agora, afirma, o desafio é que os clientes terão de pagar a dívida atual junto com o que foi renegociado naquele momento.

E isso acontece enquanto a inflação de custos pesa sobre a receita dessas companhias. “A repactuação foi feita em um cenário pandêmico, com as empresas sem funcionar e o governo ajudando. Agora é diferente, será preciso fazer análise caso a caso”, diz.

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