Investidor estrangeiro mostra otimismo com Brasil após arcabouço fiscal

Grupo de investidores diminuiu aposta na alta do dólar e voltou a comprar ações

O arcabouço fiscal proposto pelo governo na semana passada trouxe novamente ao foco um viés mais otimista do investidor estrangeiro em relação ao Brasil, o que já se refletiu no comportamento dos ativos domésticos. Desde que o plano elaborado pelo Ministério da Fazenda foi revelado, no último dia 30, houve uma redução relevante de posições compradas em dólar contra o real – ou seja, que apostam na apreciação da moeda americana -; os não residentes aportaram R$ 3,12 bilhões no mercado secundário de ações, de acordo com a B3; e, na renda fixa, a busca por títulos prefixados de longo prazo ajudou a derrubar os juros nos últimos dias.

“Tenho a tendência de acreditar que o governo está mostrando os sinais corretos, de entender as dinâmicas e as preocupações que há entre os investidores internacionais”, afirma Carlos Carranza, gestor de mercados emergentes da Allianz Global Investors. Embora ressalte que a tramitação da proposta será importante na visão dos estrangeiros, ele nota que, até o momento, “a mensagem foi bem recebida e isso ficou claro nos ativos”.

Nos últimos dias, os movimentos de apreciação do real e de queda dos juros futuros têm sido relevantes. Ontem, durante o pregão, o dólar chegou a cair a R$ 5,01, enquanto as taxas futuras de longo prazo abandonaram a casa dos 13%. Cabe notar que um sentimento mais positivo em relação aos ativos brasileiros surgiu mesmo antes da apresentação oficial do texto, já que o mercado chegou a antecipar a apresentação de uma proposta fiscal razoável.

“O fortalecimento da moeda é um sinal de que o mercado está enxergando um plano econômico de longo prazo sustentável”, diz Carranza. “Se houver a continuidade de políticas econômicas sustentáveis ao longo do governo, será o caso de uma grande valorização das ações”, aposta o gestor. “O desenho da proposta foi bom, sem dúvidas. Agora o debate deve ser acompanhado no dia a dia para saber como o plano será executado.”

Carranza aponta que a Allianz está otimista em relação ao Brasil e vê espaço para investimentos no câmbio e nos juros. “Nossos investimentos têm visões construtivas para o país, para o real, para os títulos. Achamos que o governo terá êxito na execução do plano, o que levará o Brasil a ser um ambiente bom para investimentos.”

Um movimento que chamou a atenção dos agentes nos últimos dias, inclusive, foi o desmonte nas posições compradas em dólar de investidores estrangeiros. De acordo com dados da B3 sobre as posições em dólar futuro, cupom cambial (DDI) e dólar mini, os não residentes reduziram posição comprada (que aposta na alta do dólar) em US$ 5,532 bilhões entre quinta-feira, quando a proposta de arcabouço fiscal foi revelada, e terça-feira.

“Os mercados globais estão um pouco mais tranquilos no geral, com os juros longos americanos caindo e um ambiente mais calmo no setor bancário. Isso ajuda qualquer mercado de risco, inclusive o real. Além disso, o juro é alto e está mais elevado que em outros mercados emergentes. Além disso, o risco de cauda está diminuindo e isso ajuda a moeda, porque é mais fluxo entrando no mercado local”, afirma o estrategista e economista para América Latina da Emso Asset Management, Bret Rosen.

“Acredito que os investidores podem ter suas opiniões sobre o conteúdo [do arcabouço fiscal], mas um fato é que ele tira um pouco das dúvidas que estavam no cenário. O investidor estrangeiro agora tem, pelo menos, uma apresentação sobre o assunto”, diz.

Rosen, inclusive, lembra que, três meses atrás, o mercado ainda tinha muitas dúvidas sobre a direção da política econômica no Brasil. “Em novembro e dezembro, os juros estavam muito altos e havia comentários de que o Brasil poderia entrar em uma ‘aventura fiscal’ e que a dívida poderia explodir. De uma forma geral, o mercado retira do preço essa cauda de ‘aventura fiscal’. Talvez a dívida/PIB suba, mas se o arcabouço vier do jeito que foi apresentado, não irá explodir. Isso tranquiliza um pouco a perspectiva do estrangeiro”, afirma.

Carranza, da Allianz, acredita que, neste momento, o ambiente é positivo para que o câmbio volte a testar níveis abaixo de R$ 5 por dólar. “A nossa visão é bastante construtiva para que o real continue a se apreciar daqui em diante. Até agora, os sinais do governo foram bem-recebidos pelo mercado”, nota. “Mas há um risco. Os investidores estão acompanhando de perto as decisões do novo governo. Isso pode trazer sentimentos bons ou ruins”, alerta o gestor.

É o que aponta, também, Rosen, da Emso. “Quando pensamos nos próximos seis a 12 meses, acompanhamos várias discussões. A primeira é essa do arcabouço fiscal, mas logo depois vamos ter uma discussão sobre as metas de inflação e precisamos saber, ainda, quem o governo irá indicar para as duas vagas na diretoria do Banco Central”, observa o estrategista.

“Já temos um assunto parcialmente resolvido. O arcabouço vai entrar agora no processo político e talvez seja um pouco diluído, mas deve sair parecido com a apresentação original. Em relação à meta de inflação ainda não sabemos e talvez possa haver alguma mudança. Também não sabemos quem o governo irá escolher para a diretoria do BC”, afirma.

Ele, porém, dá ênfase à melhora na comunicação entre o Ministério da Fazenda e o mercado – e entre a Fazenda e o Banco Central. “Isso já ajuda a reduzir um pouco a incerteza e dá algum apoio aos ativos brasileiros. A Fazenda está tentando se comunicar com o mercado estrangeiro e isso é positivo.”

Ao se atentar aos detalhes da proposta de marco fiscal do governo, o estrategista-chefe de investimentos na América Latina da BlackRock, Axel Christensen, destaca as reações bastante distintas entre as classes de ativos. “Por um lado, a notável valorização do real e a redução dos juros de longo prazo parecem ter recebido positivamente um plano fiscal que visa manter certa estabilidade das contas públicas, amenizando as preocupações com gastos insustentáveis do novo governo. Os preços das ações, por outro lado, seguiram outro caminho”, aponta.

De fato, a possibilidade de aumento da carga tributária pesou na bolsa e, ontem, o Ibovespa voltou a operar na casa dos 100 mil pontos. “Embora inicialmente as ações tenham participado do ‘rali de alívio’ impulsionado pelo anúncio do marco fiscal, rapidamente elas mudaram de rumo à medida que os investidores começaram a digerir o impacto das consequências de uma eventual reforma tributária que o governo planeja anunciar”, afirma Christensen, que opta por uma abordagem seletiva no mercado acionário doméstico.

Em “live” mensal da Itaú Asset Management ontem à noite, o gestor Luiz Ribeiro avaliou que, diante da redução dos riscos associados a um descontrole da dívida, faz sentido o investidor estrangeiro ampliar as apostas no Brasil.

“A percepção do estrangeiro é a de que a gente reduziu muito o risco de um descontrole da relação dívida/PIB. Você tem um plano agora que não tinha antes. Dado que você não tem esse risco de explosão da relação dívida/PIB, vale a pena colocar algum dinheiro no Brasil. Isso explica um pouco o ‘fechamento’ [queda] da curva de juros e muito do que aconteceu com a moeda. Depois do anúncio, essa reação faz todo sentido”, afirma Ribeiro, que é gestor da família de fundos Itaú Asgard.

Para o universo das ações, porém, o cenário é misto, na visão de Ribeiro. “As ações têm, no seu ‘valuation’, dois grandes componentes. O primeiro é a taxa de desconto que você usa. Ter um plano é bom, já que reduz a incerteza. Por outro lado, esse plano, por ser focado muito na receita, acaba afetando um pouco a perspectiva de crescimento do PIB e das receitas das empresas no médio e longo prazo. Então as ações não tiveram uma reação tão positiva como vimos nos juros e na moeda”, afirma.

Vale notar que, desde que o arcabouço fiscal foi revelado, os estrangeiros aportaram R$ 3,21 bilhões no mercado secundário de ações, o que reverteu a tendência negativa do grupo – até o dia 29, março acumulava saque de R$ 4,6 bilhões. Com os aportes nos últimos dois dias do mês, o saldo mensal terminou negativo em R$ 2,38 bilhões.

Por Victor Rezende, Arthur Cagliari, Gabriel Roca e Augusto Decker

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