Empresas ‘pisam no freio’ no Drex e chamam atenção do BC para dificuldades
- Microsoft e EY reduziram participação no projeto Drex do Banco Central devido aos altos custos e complexidades técnicas.
- O principal desafio é conciliar a tecnologia blockchain com a lei de sigilo bancário.
- Apesar dos obstáculos, bancos como BV e Bradesco seguem comprometidos com o projeto, vendo potencial na tokenização de ativos.
- O BC afirma que o Drex é estratégico e que os próximos passos serão definidos em conjunto com outras iniciativas de tokenização.
- Discussões políticas em torno do Drex também influenciam seu andamento.
Pelo menos duas empresas participantes do projeto piloto do Drex pisaram no freio diante dos altos requisitos impostos pelo Banco Central (BC) e dos custos e foco necessários para colocar a nova infraestrutura descentralizada brasileira no ar.
O tamanho dos obstáculos ficou evidente depois que a autoridade monetária abriu uma convocação pública para inscrição de novos casos de uso e nenhum foi selecionado devido à falta de recursos do BC para acompanhá-los.
As companhias que diminuíram sua participação no Drex foram a gigante de tecnologia americana Microsoft e a consultoria EY, que desenvolvem respectivamente as soluções de privacidade ZKP Nova e Starlight.
O impasse em relação a uma ferramenta que garanta a privacidade das transações na nova plataforma do BC é justamente o principal gargalo para que o projeto seja concretizado.
Impasse entre blockchain e lei de sigilo bancário
Isso porque a tecnologia blockchain, na qual o projeto se espelha com sua rede de registro distribuído, permite que todos enxerguem cada transação realizada por uma determinada carteira digital.
Este ponto vai contra a lei de sigilo bancário, de modo que o BC queria encontrar uma solução que ao mesmo tempo escondesse uma transação de todos os bancos envolvidos com a exceção daquele que a está executando, mas permitisse que a autoridade monetária tivesse visibilidade e pudesse reverter aquela operação em caso de decisão judicial nesse sentido.
Tudo isso sem prejudicar as características de programabilidade e componibilidade do dinheiro permitidas pelo registro descentralizado.
1ª fase do Drex testou 3 ferramentas de privacidade
Foram testadas na primeira fase do Drex três ferramentas de privacidade: Anonymous Zether (desenvolvida por J.P. Morgan e Consensys), Rayls (Parfin) e a já citada Starlight. Nenhuma delas conseguiu atender a todos os requisitos do BC ao mesmo tempo.
A ZKP Nova, da Microsoft, surgiu como alternativa para a segunda fase de testes, mas de acordo com fontes ouvidas pelo Valor que não quiseram se identificar, a big tech americana desde o final do ano passado começou a reduzir seu foco no Drex após gastar muito dinheiro e força de trabalho com o projeto.
No entanto, a ZKP Nova continuará a ser testada, agora com protagonismo da tokenizadora Hamsa, parceira da Microsoft, como interface da solução com os participantes do Drex.
A EY, por sua vez, perdeu as três pessoas que tinha no Brasil dedicadas ao Drex. Fontes descartaram que a Starlight ainda possa resolver os problemas de privacidade apontados pelo BC.
Procurada, a Microsoft respondeu que não comenta rumores ou especulações. A EY, por sua vez, disse que oficialmente continua no projeto.
Fontes citam ‘falta de entusiasmo’ de Galípolo com o Drex
Fora a imensa dificuldade em resolver os obstáculos de privacidade, uma fonte também criticou a falta de entusiasmo do atual presidente do BC, Gabriel Galípolo, com o Drex.
Seu antecessor, Roberto Campos Neto, era um vocal defensor da iniciativa, dizendo que seu sucesso era vital para que o Brasil largasse na frente na transformação global do sistema financeiro para um modelo tokenizado.
Contudo, outra pessoa a par do assunto que não quis se identificar disse que Galípolo é um profundo conhecedor do Drex e não deseja ver o projeto naufragar.
Implicações políticas do projeto
A falta de declarações sobre o tema refletiria apenas a existência de pautas mais urgentes na agenda da autoridade monetária e a sensibilidade política que o assunto ganhou.
Depois que o presidente dos EUA, Donald Trump, proibiu que o Federal Reserve (Fed) criasse uma moeda digital de banco central (CBDC), o ex-deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) começou a atacar o Drex.
Bolsonaro acusa o projeto de tentar controlar a vida financeira dos cidadãos, apesar dos estudos para a iniciativa no BC terem começado em 2021, ainda durante o governo de seu pai, Jair Bolsonaro.
Qual é a situação atual do Drex?
Em nota, Rogério Lucca, secretário executivo do Banco Central, disse que o Drex é um projeto estratégico do BC, parte de sua agenda institucional de inovações.
“Com base nos resultados dos testes que estão sendo realizados, as equipes técnicas discutem, atualmente, possíveis passos posteriores do projeto. Os próximos passos do Drex inserem-se, ainda, na discussão conjunta com outras iniciativas, sobre tokenização de ativos e oferta de serviços pelo BC que aumentem a eficiência e a segurança do Sistema Financeiro Nacional e do Sistema de Pagamentos Brasileiro”, afirma.
Apesar dos obstáculos, as instituições financeiras que participam do Drex continuam dedicadas a colocar a nova infraestrutura de pé.
Além de já terem dedicado muito esforço e recursos no projeto, os bancos têm demonstrado cada vez mais entusiasmo com as oportunidades envolvidas em usar tokens para distribuir ativos financeiros.
Carlos Bonetti, diretor executivo de riscos e operações no banco BV, disse que está seguindo o cronograma para entregar em junho os resultados do seu teste de transações com automóveis tokenizados.
Bonetti afirma que, junto com a B3 e o Santander, o BV já conseguiu incluir a tokenização nas partes desta operação, como registro, transferência e posse, embora o “end-to-end” ainda não esteja completo. “Não percebemos nenhum tipo de mudança do engajamento do BC com o projeto”, afirma.
O Bradesco também reforçou seu apoio ao Drex, afirmando que segue em colaboração com as equipes do BC.
“Estamos comprometidos com o avanço. Os times que estão participando do desenvolvimento estão empolgados pela possibilidade de experimentação”, disse Courtnay Guimarães, chefe de ativos digitais do Bradesco.
*Com informações do Valor Econômico
Leia a seguir