Repasse do petróleo à bomba pode chegar a 66% em 2022, estima BC

Um exercício simples da autoridade monetária a partir de números de 2021 sugere que o grau de repasse do preço do petróleo em reais para preços ao consumidor na bomba pode rondar 70% e não seria inferior a 50%

O Banco Central (BC) espera que o preço da gasolina seja ainda mais sensível aos preços do petróleo em 2022 do que foi no ano anterior, quando os combustíveis contribuíram com um terço da alta de 10,06% do IPCA. Cálculos apresentados pela autoridade monetária em um box do Relatório Trimestral de Inflação (RTI) de março indicam que o grau de repasse do preço do petróleo em reais para preços ao consumidor na bomba neste ano pode ficar entre 47% e 66%, ante 40% e 54% em 2021.

Um exercício simples do BC a partir de números de 2021 sugere que o grau de repasse do preço do petróleo em reais para preços ao consumidor na bomba pode rondar 70% e não seria inferior a 50%.

Em 2021, o preço do petróleo tipo Brent cotado em reais e o preço da gasolina ao consumidor final subiram 65% e 47%, respectivamente, lembra o BC. Tais variações, segundo a autoridade monetária, dão um primeiro indicativo da ordem do repasse, que seria de 73%.

“Apesar de haver outros fatores que afetam o preço da gasolina (como o preço do etanol), que podem confundir a análise e dificultar a identificação do grau de repasse, a elevação do petróleo foi tão expressiva no período em questão que tende a dominar os demais efeitos. Dessa forma, a simples divisão da alta da gasolina ao consumidor pela alta do preço do petróleo em reais serve como uma aproximação razoável do grau de repasse”, diz a autoridade monetária.

Considerando o preço da gasolina na refinaria (que varia de forma semelhante ao preço internacional) como divisor, o repasse foi de 60% e, com o preço da mistura entre gasolina pura e etanol, de 65%.

Tendo em vista as defasagens de repasse e o fato de que o preço do petróleo recuou de forma importante no fim do ano passado, o BC também apresentou contas em que a variação da gasolina no ano é dividida pela variação interanual dos condicionantes em novembro. Neste caso, os repasses seriam de 50% tendo o Brent em reais como base, de 51% com a gasolina na refinaria e de 54% considerando a mistura de gasolina e etanol.

O grau de repasse obtido nesse exercício simplificado foi corroborado por uma análise mais detalhada, segundo o BC, que utiliza a estrutura de custos do preço ao consumidor – gasolina na refinaria; etanol anidro no atacado; impostos federais e estaduais; margens de distribuição e revenda – para calibrar um coeficiente teórico de repasse.

Usando pesos de dezembro de 2020, o grau de repasse é calculado em 39,8% quando o preço do etanol é considerado exógeno (portanto, constante) e em 54,4% quando se considera uma resposta endógena do preço do etanol de modo a manter constante a razão de preços entre etanol e gasolina na bomba. “É possível que o verdadeiro grau de repasse seja um valor intermediário entre os obtidos sob essas duas hipóteses”, afirma o BC.

O exercício simples, nota o BC, sugere um grau de repasse mais próximo do limite superior, “mas vale lembrar que aquele exercício é válido justamente sob a hipótese de que a maior parte da alta do etanol é endógena ao choque no preço do petróleo”, diz o relatório.

A partir dos pesos de dezembro de 2021, o grau de repasse para 2022 é calculado em 47,2% quando o preço do etanol é considerado constante e 66,1% no segundo caso – altas de 7,4 pontos percentuais e 11,7 pontos, respectivamente, em comparação com as calibrações do grau de repasse para o ano anterior.

“Ou seja, espera-se que o preço da gasolina em 2022 seja ainda mais sensível ao preço do petróleo. A maior sensibilidade reflete o fato de que preço da gasolina na refinaria — o componente mais sensível ao preço do petróleo — é atualmente mais importante na estrutura de custos do que era antes”, explica a autoridade monetária.

O custo do etanol também ganhou relevância e contribui para o maior grau de repasse, segundo o BC. Já os impostos federais, que não são sensíveis ao preço do petróleo, tiveram sua participação na estrutura de custos reduzida de forma importante.

A influência do preço do petróleo em reais sobre a inflação ao consumidor será maior não apenas em razão do maior repasse, mas também pelo fato de que o peso da gasolina na cesta de consumo cresceu significativamente, de 4,9% para 6,6%, lembra o BC.

“Se em 2021 um aumento de 10% do preço do petróleo em moeda local tinha impacto de 0,20 a 0,27 ponto percentual (p.p.) no IPCA, em 2022 esse impacto deve estar entre 0,31 e 0,43 ponto”, estima.

Incertezas

Recentemente, a volatilidade do preço do petróleo em reais tem sido maior que a usual, ainda que o patamar seja substancialmente inferior ao observado em momentos de maior estresse no mercado, nota o BC. Segundo o relatório, a volatilidade era 40% nas semanas que antecederam a guerra na Ucrânia — valor já superior à média de aproximadamente 30% desde 2006 – e passou para 50%.

Usando como parâmetros a volatilidade e os graus de repasse discutidos, o BC consegue calcular intervalos de probabilidade para a inflação que decorrem da volatilidade do petróleo em reais.

“Mesmo considerando um intervalo com probabilidade reduzida, de apenas 50%, o preço do petróleo poderia variar entre -24% e +31% em um ano. Considerando esse intervalo e a hipótese de que o preço do etanol é endógeno (determinado dentro do modelo), a incerteza em torno de um cenário projetado para a variação de preços administrados seria de -3,8 pontos percentuais a +4,9 pontos”, diz o relatório.

Para o IPCA, a incerteza equivalente seria de recuo de 1 ponto a avanço de 1,3 ponto percentual Considerando um intervalo de previsão mais amplo, com probabilidade de 95%, o intervalo em torno de um cenário central para o IPCA iria de baixa de 2,1 pontos a alta de 4 pontos percentuais.

Os intervalos apresentados levam em consideração apenas o impacto do preço do petróleo em reais via gasolina, desconsiderando o efeito diretos sobre outros combustíveis e os efeitos indiretos sobre os demais preços da economia.

“A elevada volatilidade do preço do petróleo, especialmente no contexto atual de aumento súbito do risco geopolítico internacional, e o aumento no grau do seu repasse para o preço da gasolina ao consumidor final resultam em incerteza e volatilidade substancial para as projeções de inflação, especialmente no curto prazo. Este ambiente de incerteza e volatilidade elevadas demanda serenidade para a avaliação dos impactos de longo prazo do atual choque e de seus impactos secundários sobre a inflação ao longo do horizonte relevante”, afirma o BC.

A autoridade monetária destaca que “é neste horizonte que os efeitos da política monetária são maiores, em oposição ao curto prazo, quando os efeitos de choques de commodities são sentidos mais intensamente”.

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