Lucrativo negócio de manter a floresta em pé atrai cada vez mais fazendeiros
Mercado de crédito de carbono voluntário deve movimentar US$ 50 bilhões em 2030 e traz oportunidades para o Brasil

A velocidade com que a Floresta Amazônica é derrubada é algo que impressiona leigos e especialistas. De janeiro a agosto, já foram quase 8.000 quilômetros quadrados de clarões, o pior número em 15 anos, de acordo com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia.
Ameaças como essas são vistas diariamente em propriedades públicas e privadas na região. Em 2018, a Fazenda Bella Aliança, no município de Bujari, a 25 quilômetros de Rio Branco (Acre), foi invadida. Em 2019, outra área próxima, a Fazenda Ipanema, também foi alvo de desmatamento ilegal para extração de madeira.
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Os fatos foram um sinal para que o empresário e pecuarista Ricardo Gontijo, dono das duas propriedades, decidisse tirar do papel um plano que poderia proteger ainda mais a reserva florestal: gerar créditos de carbono.
“Hás três anos ouço que a preservação da natureza, floresta e biodiversidade é a palavra da vez”, diz seu Ricardo, como é conhecido na região.
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Desde que chegou à região ele já decidiu manter as árvores em pé, pois, dessa forma, em sua visão, garantiria, sombra para o gado, terra mais fértil e dinheiro a mais na conta.
“Acredito que a mata vai valer mais do que a fazenda. O mundo vai pagar cada vez mais pela sustentabilidade. Quero comprar mais terras para gerar ainda mais créditos.”
Hoje, um crédito de carbono, que equivale a uma tonelada de dióxido de carbono cuja emissão é evitada, está sendo negociado no mercado voluntário brasileiro entre US$ 10 e US$ 12. Na Europa, já é comercializado a US$ 15.
De acordo com o Ecossystem Marketplace, o mercado voluntário de créditos de carbono chegou a quase US$ 2 bilhões no mundo em 2021. A estimativa da consultoria McKinsey é que esse mercado atinja US$ 50 bilhões em 2030. O Brasil possui 15% do potencial global de geração de créditos por soluções naturais, incluindo restauração florestal, projetos de preservação de florestas, entre outros
“O país tem vocação natural para créditos voluntários florestais. Além do benefício associado à redução de carbono na atmosfera, há benefícios adicionais, como proteção da biodiversidade, melhora da segurança hídrica e desenvolvimento socioeconômico”, diz Henrique Ceotto, sócio da McKinsey.
Certificação
No Brasil, 77% das 80 principais empresas já anunciaram metas de redução de emissões, e parte importante da estratégia será a compensação por meio de compra de créditos. É essa a aposta do seu Ricardo. Considerando que a abertura de mata para agropecuária é responsável por mais de três quartos do desmatamento, segundo o MapBiomas, criar estratégias para convencer o setor a manter a floresta em pé é imprescindível.
A lógica é simples: ao se proteger uma área que provavelmente seria derrubada no futuro, garante-se que aquele pedaço continuará absorvendo e fixando gás carbônico da atmosfera, prevenindo o agravamento do aquecimento global. Quem investe nisso é compensado com certificados que equivalem a emissões de carbono evitadas e que, então, são vendidas.
Apesar de parecer fácil, o desenvolvimento de um projeto de Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal, os chamados REDD+, que focam em florestas nativas, pode levar anos.
O HIWI, por exemplo, começou oficialmente em agosto de 2019 e recebeu só em agosto deste ano a primeira auditoria da certificadora Verra, o último passo para validar a geração. Está prevista a proteção de 20,5 mil hectares de floresta amazônica durante 30 anos, período em que, espera-se, serão evitados 5.161 hectares de desmatamento, equivalente a 2,64 milhões de toneladas de CO2.
O que pouca gente sabe é que nem toda área verde pode gerar créditos. A viabilidade para se ter um projeto é haver risco de desmatamento. Se não existir ameaça, não há potencial de geração, explica Felipe Viana Lima, diretor comercial da Carbonext.
Para verificar se há ameaça ao território, é analisado o histórico da área em volta da fazenda por meio de imagens de satélites e é usado um softwares para medir a probabilidade do avanço dos clarões nas décadas seguintes. A partir daí, é possível provar que a área está sujeita ao desmatamento e traçar estratégias de contenção.
Engajamento das comunidades é crucial
Os projetos de geração de créditos de carbono estão alinhando a preservação ambiental com o impacto social. Em terras públicas com comunidades indígenas e quilombolas, os processos para conseguir o aval de certificadoras internacionais exigem ritos de engajamento e aprovação conjunta de ações. Sem isso, nada de crédito.
“Quando há ações sociais, os créditos gerados são do tipo CCB (clima, comunidade e biodiversidade), que são mais caros. Eles são também preferidos pelo mercado, porque a ideia é que esses créditos conseguem gerar uma preservação de mais longo prazo”, explica Felipe Viana Lima, diretor comercial da Carbonext.
Considerando que para viabilizar uma geração de carbono é preciso ter milhares de hectares, o que só quem tem dinheiro consegue, cuidar de quem não tem a mesma oportunidade é visto como uma ação de responsabilidade social. Além disso, há uma lógica financeira por trás: engajar as comunidades é imprescindível para manter a floresta em pé e garantir os créditos de carbono.
Renda é principal entrave
Segundo Francy Nava, gerente de projetos REDD+ na Carbonext, durante a prospecção e análise de viabilidade de um projeto, uma equipe vai a campo identificar os agentes do desmatamento — que pode incluir comunidades — e as fragilidades socioeconômicas de quem vive no raio de 20 quilômetros.
No HIWI REDD+, administrado pela Carbonext e que engloba quatro fazendas em Bujari (Acre), nos dois anos de desenvolvimento foram feitas visitas a moradores para explicar o que é geração de carbono e anotar as necessidades da região. Até agora, 158 pessoas tiveram acesso à prevenção na saúde, 59 passaram por treinamentos e cinco comprovadamente tiveram aumento de renda. A renda é o calcanhar de Aquiles.
No Projeto de Assentamento Dom Moacir, uma das 18 contempladas pelo HIWI, a produção de verduras é pequena e os custos para manter o solo fértil e longe de pragas só cresce. Além disso, na hora de vender a mercados da região, os moradores concorrem com atravessadores, que compram de diversos locais e garantem volumes maiores. A descrença com relação a promessas feitas por empresários e políticos no passado confere um desafio extra ao time do HIWI.
Projetos que são bem-sucedidos neste tipo de engajamento ainda são minoria. Como demoram mais tempo para ficarem de pé e são mais complexos, a oferta também ainda é baixa. Mas há demanda por eles.
“A busca por cobenefícios socioambientais é uma tendência. Há iniciativas que demonstram a crescente preocupação de empresas com aspectos sociais no desenvolvimento de projetos de carbono”, diz Laura Albuquerque, gerente de consultoria da WayCarbon, ao citar o estudo Oportunidades para o Brasil em mercados de carbono em 2021.
Por Naiara Bertão