Guerra recoloca desglobalização no radar dos gestores

Com a guerra na Ucrânia, economistas, especialistas em relações internacionais e gestores de recursos voltaram a discutir a desglobalização. Entenda.
Pontos-chave
  • Rumos do comércio mundial e dos fluxos financeiros podem mudar teses de investimento

Pouco tempo após a invasão da Ucrânia pela Rússia, economistas, especialistas em relações internacionais e gestores de recursos voltaram a discutir a desglobalização. Considerando a possível redução do comércio global e do fluxo financeiro entre países, espera-se que o mundo passe a conviver com mais inflação, juros mais altos e menos crescimento econômico. A identificação de quais países, setores e empresas sairiam vencendo ou perdendo nesse novo ambiente faria a diferença para os investidores.

Mesmo que essa tendência de longo prazo ainda não seja dada como certa, vem sendo acompanhada de perto pelos gestores. Conforme pontuou Larry Fink, CEO da BlackRock, em carta anual aos acionistas divulgada no fim de março, tendências como a desglobalização, a inflação e a transição para energias limpas devem ter impactos nas empresas, na precificação destas (valuation) e nos portfólios dos investidores. Outro gestor que se manifestou sobre o tema foi Howard Marks, co-chairman da Oaktree. Para ele, o reconhecimento dos aspectos negativos da globalização está fazendo com que o pêndulo agora caminhe em direção à produção local – que, embora mais cara, pode se mostrar mais segura.

Não é de hoje que se fala em desglobalização: o tema foi bastante discutido após a ofensiva comercial do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra os chineses. Ganhou força com a pandemia, que tornou mais evidentes os gargalos nas cadeias de fornecedores, e novo impulso com a invasão da Ucrânia pela Rússia, que mostrou o risco de depender do fornecimento de energia e matéria-prima de um país totalitário.

Alguns gestores já estão se baseando nessa tese – embora ela ainda não seja uma unanimidade – na hora de alocar recursos. É o caso de Marcio Fontes, gestor do fundo Asa Hedge. Além da desglobalização, ele identifica duas outras tendências que devem levar ao aumento dos juros globais e a novas altas das commodities: o envelhecimento da população e a pressão por mais gastos públicos, inclusive para financiar o processo de descarbonização das economias. Por conta disso, o fundo está comprado em petróleo e cobre e, principalmente, em juros americanos (apostando na alta).

Rafaela Vitória, economista-chefe do banco Inter, considera que ainda é muito cedo para dizer que há uma tendência de desglobalização, e que apenas daqui a alguns anos, a partir da observação dos dados sobre o comércio global, será possível entender o alcance desse movimento. Mas ela observa que as empresas vêm aumentando os níveis de estoque para se proteger de possíveis faltas de matérias-primas, e que a longo prazo há a tendência de manutenção da inflação em patamares mais elevados. As companhias vão buscar fornecedores próximos, mesmo que seja necessário instalar fábricas em localidades com custo de produção superior, considera.

“Dependendo da solução adotada pelas empresas, o impacto da desglobalização será relevante ou secundário”, avalia Paulo Clini, diretor de investimentos da Western Asset. Ele diz que ainda não está claro se as multinacionais vão trazer os fornecedores para os próprios países de origem ou contratá-los em vários países com mão-de-obra mais barata, desde que estejam próximos ou sejam politicamente alinhados. Em ambos os casos, haveria uma perda de eficiência e um aumento de custos em relação à solução mais econômica – por isso, as consequências no longo prazo seriam aumento da inflação e dos juros e menor crescimento econômico, cujas magnitudes dependem da solução adotada.

Outra vertente de investimentos baseada na tese da desglobalização é a aposta da depreciação do dólar, explica Luiz Eduardo Portella, sócio da Novus Capital. O bloqueio das reservas russas em dólar, em represália à invasão da Ucrânia, desestimularia outros países a manter reservas na moeda americana e favoreceria o retorno do capital aplicado em dólares para seus países de origem. Mas essa aposta ainda é muito incipiente, já que ainda não há moedas que possam exercer o mesmo papel do dólar, de reserva global de valor. Portella lembra que o yuan e a China não teriam o mesmo poder de atração de capital, apesar da gigantesca economia, pelo fato de o país não ser democrático – e, portanto, também sujeitaria investidores ao arbítrio dos governantes.

Frederico Sampaio, gestor de renda variável da Franklin Templeton, também considera que é difícil cravar se há um processo de desglobalização no início ou se a movimentação é passageira, e que a recente vinda de investidores dedicados a mercados emergentes para a bolsa brasileira se deu porque eles viram um porto seguro nos ativos de países exportadores de commodities. Ele acredita que o país teria a ganhar com a desglobalização e conta com um potencial “gigantesco” para atrair mais capital, se não houver mudanças bruscas na política econômica.

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