Gestores veem recuperação para FIIs em 2023

Após ensaiar um rali entre agosto e setembro, os fundos imobiliários (FIIs) voltaram ao estado de incerteza que perdurou na maior parte de 2022. Gestores ouvidos pelo Valor afirmam que os descontos médios nos preços das cotas já superam os vistos no período mais agudo da pandemia e que o mercado tende a andar “de lado” ao longo dos primeiros meses de 2023. No entanto, o cenário-base da maior parte das casas aponta que, na segunda metade do próximo ano, o segmento pode retomar o crescimento.
O desconto médio, na comparação entre o valor de mercado e o patrimônio líquido dos fundos listados na bolsa, atingiu 30,26% em novembro deste ano, segundo dados da B3. Já a maior diferença observada no período mais duro da pandemia, entre março de 2020 e março de 2022, ocorreu em outubro de 2021, quando a disparidade alcançou 28,46%.
Em novembro, a volatilidade do Ifix [Índice de Fundos Imobiliários da B3] foi o dobro da vista na média dos 12 meses anteriores”, diz o analista sênior de fundos imobiliários da Santander Corretora, Flavio Pires. “Nesses últimos dois meses, a queda praticamente apagou o ganho que o segmento teve no terceiro trimestre, quando o mercado estava mais otimista com o rumo da Selic.”
No penúltimo mês do ano, o indicador apresentou recuo de 4,15%. Em dezembro, até ontem, o Ifix mostrava recuo de 0,58%. No acumulado do ano, porém, o referencial de FIIs tem conseguido se segurar no positivo, com alta de 1,63%.
O sócio e gestor da Zavit, Daniel Alouan, diz que, recentemente, os prêmios aumentaram muito. “O spread entre o rendimento do Ifix e do título do governo de 10 anos atrelado à inflação [NTN-B] girava um pouco abaixo de 3 pontos percentuais no ano passado, e hoje está perto de 5,5 pontos.”
A virada negativa ocorreu pela deterioração das expectativas em relação ao rumo das taxas de juros. No início do terceiro trimestre, havia um consenso no mercado de que a Selic estava perto de atingir o teto e a expectativa era que o Banco Central pudesse começar um ciclo de corte da taxa básica ainda no primeiro semestre de 2023.
Depois das eleições, porém, essa visão mudou. A elaboração da PEC da Transição, que permite um aumento de despesas acima da regra do teto de gastos da ordem de R$ 145 bilhões em 2023, e a sinalização por parte do governo eleito de menor compromisso com o equilíbrio fiscal têm levado analistas, economistas e gestores a enxergar um caminho mais pressionado para a taxa básica.
Muitas casas de análise revisaram para cima a projeção para a Selic no fim do próximo ano. O boletim Focus do Banco Central, que reúne as estimativas do mercado, aponta para uma taxa básica de 12% em dezembro do ano que vem. Trata-se de uma queda de 1,75 ponto percentual ante os atuais 13,75%. Mas, até voltar a subir no mês passado, a mediana da pesquisa permaneceu estável, em 11,25%, por mais de dois meses.
“Se a remuneração no ativo livre de risco [CDI] é muito relevante, qualquer outra coisa que tem mais risco tende a sofrer, pois tem de entregar mais rendimento”, diz o sócio da empresa de investimentos imobiliários Alianza, Fabio Carvalho. “Foi um ano difícil para bolsa, ações e fundos imobiliários. Tem muita cota nos FIIs com valor mais baixo do que no auge da pandemia.”
De acordo com o sócio da HSI, Fernando Gadelho, “o setor é muito dependente e muito correlacionado à taxa de juros do mercado”. O movimento de alta da Selic a partir de março de 2021 trouxe uma reprecificação geral para baixo das cotas de FIIs no mercado.
“Os juros atuais [de 13,75% ao ano] são colossais e podem nos levar a uma recessão, se não forem revistos em algum momento”, avalia o sócio-fundador da Hedge Investments, André Freitas. Mas, até mesmo pelos efeitos duros para a economia e o setor produtivo de manter juros elevados por um período prolongado, o gestor afirma ver um cenário positivo para 2023, na comparação com o momento atual.
Conforme Freitas, “passado o ruído da transição, quando o novo governo assumir em janeiro, acho que muitas incertezas se dissipam”. Na opinião do gestor, “a PEC da Transição veio mais por uma necessidade de se consertar o orçamento elaborado na atual administração, para possibilitar a recomposição de programas sociais”.
Para o sócio da Hedge, “começa a cair a ficha no mercado que [a sinalização de gastos] talvez seja um primeiro momento do governo eleito como forma de arrumar a casa, e que pode haver contrapartida com receitas”. Segundo Freitas, “o equilíbrio fiscal pode vir a ser recomposto com aumento de impostos e crescimento da arrecadação”. Na visão do gestor, no começo do ano o mercado vai ser mais lento em função dos juros mais elevados. “Acredito em corte de juros no segundo semestre e o mercado vai reagir a isso”, pondera.
“Se o governo conseguir acalmar as incertezas [no início do ano], o mercado local fica mais tranquilo”, acrescenta Alouan, da Zavit. “Na nossa avaliação, os juros tendem a começar a cair no segundo semestre do ano que vem”, afirma o gestor. “Chega janeiro e os rumores se dissipam, e tenho certeza que o novo governo não será nem melhor nem pior do que os que já tivemos – e, com isso, tudo volta à normalidade”, considera.
Para o gestor e chefe da área de fundos imobiliários da Fator Administração de Recursos (FAR), Rodrigo Possenti, apesar das incertezas, em uma visão de médio e longo prazos, há um cenário de muitas oportunidades para entrar no mercado de olho no ganho de capital. “As cotas estão muito baratas e num nível de preços que faz sentido entrar”, avalia. “Quando as incertezas ficarem para trás, o ajuste do mercado é rápido, avalia o sócio da HSI Felipe Gaiad. “Temos uma expectativa de que o BC possa começar a cortar juros entre o terceiro trimestre e o fim do próximo ano e, quando a sinalização desse movimento ficar clara, o ajuste ocorre muito rápido”, pondera.
Para Alouan, da Zavit, além de a tendência a um cenário macroeconômico ser mais favorável a partir da segunda metade de 2023, o mercado imobiliário terá de passar por ajustes por conta de fundamentos. “No médio prazo, por exemplo, os aluguéis vão ter de se adequar. Não se consegue ter um aluguel tão descolado dos preços de reposição [custo de construção de um imóvel a partir do zero].”
O gestor explica que o custo de construção subiu, pressionado pela inflação, enquanto os preços de imóveis caíram, devido à elevação de juros. “O valor de reposição não deve mudar, mas os preços terão de se ajustar [para cima]”, diz.
Segundo Pires, do Santander, apesar dos descontos generalizados nas cotas, o investidor tem de ser seletivo. “É preciso ter cautela e olhar a qualidade dos ativos no portfólio”, ressalta. “A pessoa tem de olhar alguns pontos importantes: o preço do ativo em relação ao valor patrimonial; quais são aqueles que vão conseguir proteger o patrimônio e quais serão so que vão conseguir entregar bons dividendos.”
Na avaliação de Carvalho, da Alianza, “no imobiliário temos hoje uma das melhores oportunidades, porque tem muita coisa barata e, diferentemente da época da pandemia, a performance operacional dos ativos está indo muito bem”. Conforme o gestor, “os shoppings, por exemplo, têm tido desempenho muito mais saudável comparado ao período de fechamentos”.
Outro fator favorável ao segmento dos fundos imobiliários é o crescimento da base de investidores e o aumento da liquidez no mercado secundário, mesmo com a elevação de juros e a oscilação no valor das cotas. A volatilidade do segmento ao longo de 2022 não afugentou os participantes do mercado, ao contrário do que ocorreu na época da recessão entre 2015 e 2016, quando a base encolheu.
O número de investidores pessoa física em FIIs listados pode alcançar a marca psicológica de 2 milhões no apagar das luzes de 2022. Segundo a B3, em novembro a base avançou para 1.963.486 CPFs. Houve um acréscimo de cerca de 12 mil integrantes na comparação com outubro, mas, ao longo do ano, o crescimento mensal ficou perto de 40 mil novos indivíduos.
“A gente viu esse ano um aumento da base de 30% em 12 meses, com adição de 40 mil investidores por mês, e quase batendo a marca de 2 milhões de investidores”, aponta Gadelho, da HSI. “É um produto muito atrativo porque paga bem, tem rendimentos mensais e é isento do imposto de renda.” Gaiad, também da HSI, acrescenta que “há uma tendência de a base de CPFs no mercado ser menos sensível à flutuação da taxa de juros”.
Freitas, da Hedge, lembra que no momento atual “os fundos do Ifix têm pagado um ‘dividend yield’ acima de 11% [ao ano] e isso é muito rendimento, uma vez que são isentos [de IR]”. Além disso, pondera o gestor, “temos comprado os ativos com descontos de 15% a 20% em relação ao valor patrimonial”.
Conforme Carvalho, da Alianza, “quando a gente diz que os fundos estão baratos, significa também que estão com ‘yield’ alto”. Com o valor da cota abaixo do patrimonial, “está fácil achar no mercado fundos [de tijolo] bons com yields de 10% ao ano”.
Além do ganho de capital, o momento acaba se mostrando oportuno para o investidor “travar” um yield, ou seja, um retorno com os dividendos mais elevado. Nesse aspecto, os chamados fundos de papéis, que investem em certificados de recebíveis imobiliários (CRIs), levam vantagem porque o retorno médio tem alcançado perto de 15% ao ano. Isso porque os os títulos de crédito privado com lastro em ativos imobiliários pagam um “spread” em relação aos ativos livres de risco correlacionados.
“Vejo os fundos de papel como defensivos para o ano que vem, por conta da Selic elevada”, analisa Carvalho, da Alianza. “Mas é preciso escolher com cuidado os portfólios, porque aqueles com papéis mais arriscados, como os fundos ‘high yield’, podem ter dificuldades com os devedores e enfrentam risco de inadimplência. O melhor é focar no crédito mais conservador, o ‘high grade’.”
“O segmento que eu gosto mais é o de fundos de fundos [FoFs], que tem desconto em cima de desconto”, aponta Freitas, da Hedge. “Esses portfólio estão comprando ativos descontados e eles próprios embutem descontos em suas cotas”, explica. De acordo com o gestor, em uma fase de recuperação do mercado, o ganho acaba sendo duplo.
Para o sócio da Hedge, “as verdadeiras barganhas, no entanto, estão nos fundos de tijolos”. O gestor aponta que praticamente todos negociam com valor de mercado abaixo do custo de reposição. “Temos ativos muito bons negociando entre 20% a 25% abaixo do custo de reposição, e tudo que está abaixo do custo de reposição fica difícil se sustentar ao longo do tempo.”
Por Sérgio Tauhata, Valor — São Paulo
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