Geração de empregos perde fôlego em 2022

Melhoria de curto prazo no mercado de trabalho deve ser revertida até o fim do ano em cenário de economia ainda fraca em 2022

Diante de uma crise que fez o número de desempregados no país ultrapassar as 15 milhões de pessoas e a taxa de desemprego encostar nos 15% (14,9%), o mercado de trabalho vem dando sinais de recuperação. Há geração de vagas, embora com rendimento menor e puxada especialmente pelos informais. Mas mesmo essa melhora quantitativa deve desacelerar seu ritmo nos próximos meses, colocando em xeque o cenário para os trabalhadores este ano.

Com estimativas de um crescimento muito fraco ou até retração da economia brasileira em 2022, as projeções de bancos e consultorias apontam que o total de desempregados deve ainda permanecer acima das 12 milhões de pessoas em dezembro deste ano – ou até ultrapassar os 14 milhões, segundo algumas casas. A taxa de desemprego deve se aproximar do do nível pré-pandemia – era de 11,8% no trimestre móvel encerrado em fevereiro de 2020 – a curto prazo, mas tende a voltar a crescer até o fim de 2022, sem ter mais a influência positiva do aumento da mobilidade (de a pessoa deixar de estar desempregada).

Há uma expectativa de aumento da população ocupada, mas os riscos no horizonte com inflação, eleições e a própria pandemia, com a variante ômicron, comprometem o cenário como um todo. Mais do que isso, uma melhora mais expressiva do mercado – que permita, por exemplo, que o país volte a ter uma taxa de desemprego de um dígito (o que não se vê desde 2016) – está distante, apontam especialistas.

Arte: Reprodução Valor Econômico

“Estamos vendo uma queda bem significativa do desemprego, muito puxada pela informalidade, que deve seguir até os dados referentes ao fim de 2021. Mas o cenário de 2022 segue muito nebuloso para a economia e para o mercado de trabalho. Há uma incerteza eleitoral muito grande, acompanhada de uma inflação elevada e juros altos. Além disso, existe a a questão da ômicron”, diz o pesquisador da consultoria IDados Tiago Barreira.

As incertezas devem dificultar, segundo ele, decisões de investimentos pelas empresas e também o ritmo de contratações em 2022. “Há possibilidade de haver estagnação do mercado de trabalho em 2022”, alerta. Nas projeções obtidas pelo Valor junto a seis bancos e consultorias, o total de desempregados no país deve ficar entre 12,2 e 14,7 milhões no fim de 2022, após encerrar 2021 entre 12,3 e 13,3 milhões. Isso significa que o fim deste ano pode até mesmo ter um número maior de desempregados o fechamento de 2021.

Já para a taxa de desemprego o intervalo das estimativas para dezembro deste ano varia entre 11,1% e 13,3%. O número de trabalhadores ocupados, por sua vez, deve ficar entre 94,6 milhões e 97,5 milhões, pelo menos 1,6 milhão de pessoas a mais que o teto das projeções para o fim de 2021 (95,9 milhões).

Economista da LCA Consultores, Bruno Imaizumi destaca que a recuperação observada agora é quantitativa, com número expressivo de novas vagas, mas principalmente puxada por ocupações mais precárias e de menor rendimento. E isso ocorre até mesmo entre os trabalhadores formais. No dado mais recente da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, referente ao trimestre encerrado em outubro de 2021, a renda do trabalhador no setor privado com carteira assinada foi de R$ 2.345, redução de 3,6% frente ao trimestre anterior e de 8% em relação a igual trimestre de 2020. Já o trabalhador do setor privado sem carteira teve renda média de R$ 1.528 no trimestre encerrado em outubro, o que significa uma queda de 8,9% em relação ao trimestre anterior e de 11,9% na comparação com igual trimestre de 2020.

“O que estamos vendo nos últimos cinco meses é a recuperação dos postos perdidos durante a pandemia. Na divulgação da Pnad referente a novembro, já devemos ter uma recuperação do pessoal ocupado de antes da pandemia [trimestre encerrado em fevereiro de 2020]. Mas é um movimento puxado pelas vagas informais, vemos recordes sucessivos dos trabalhador chegou a R$ 2.449, o menor de toda a série histórica da Pnad Contínua, iniciada em 2012. E a renda deve continuar em queda. A projeção da LCA Consultores, por exemplo, é de recuo de 6,2% em 2021 e de 2,1% em 2022.

Para Denis Maracci Gimenez, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) e professor do Instituto de Economia da Unicamp, os indicadores sugerem que não se pode caracterizar o momento atual como de recuperação, a despeito da geração de vagas observada nas pesquisas que acompanham o mercado de trabalho.

“O que vejo é uma espécie de espasmo, mas não uma recuperação. O mercado de trabalho se mostra muito deprimido, com elevado grau de precarização e nível de renda muito baixo. E o que se vê é um cenário também difícil para 2022, com baixo crescimento da economia, baixo dinamismo e baixo investimento. Não acredito em um desempenho virtuoso que permita uma reversão da situação do trabalho a curto prazo”, afirma ele.

A economista da Gap Asset Luana Miranda, por sua vez, acredita que a recuperação quantitativa do mercado é uma realidade e lembra que o número de trabalhadores informais já recuperou o nível do pré-pandemia. Pela Pnad Contínua, o total de trabalhadores informais chegou a 38,211 milhões no trimestre encerrado em outubro, muito próximo aos 38,325 milhões do trimestre encerrado em janeiro de 2020, que é o marco do pré-pandemia na série histórica para os trimestres comparáveis. Sua dúvida, no entanto, é justamente sobre a continuidade desse processo.

“A economia está patinando antes mesmo de se atingir o ponto mais forte da alta de juros. Com essa derrapada no fim do ano, o aperto monetário mais forte e a limitação do teto de gastos, não se consegue ver um crescimento forte em 2022. E isso vai se estender ao mercado de trabalho”, diz ela. A projeção da GAP é de variação de 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Mesmo com um viés de alta na estimativa, devido ao dinheiro em caixa de alguns Estados e municípios que podem acelerar investimentos, Luana não vê chance de crescimento mais forte da economia brasileira a curto prazo.

Mais preocupante apenas que o cenário para 2022, no entanto, apontam especialistas, é o de mais médio e longo prazos. O mercado de trabalho do país parece muito distante de conseguir recuperar o vigor de antes da recessão dos anos de 2015 e 2016. A taxa de desemprego média brasileira se mantém em dois dígitos em quase seis anos, desde o trimestre móvel encerrado em fevereiro de 2016 (10,3%). A última vez com apenas um dígito foi no trimestre encerrado em janeiro de 2016 (9,6%).

“O país entrou na recessão da covid sem ter se recuperado da recessão anterior. Por isso a situação do mercado de trabalho é tão frustrante e tão preocupante. São muitos anos de baixo crescimento econômico. Mesmo com a melhora recente, temos 13 milhões de desempregados. E essa situação só muda com políticas públicas responsáveis, capazes de trazer investimentos. Isso é uma questão de mais de longo prazo”, aponta Luana Miranda.

Pelas projeções de longo prazo da LCA, a taxa de desemprego no país só voltará para um dígito em dezembro de 2030. “O Brasil tem um problema estrutural, com um crescimento potencial da economia cada vez menor. E a situação do mercado de trabalho reflete isso”, diz Bruno Imaizumi.

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