Especialistas veem risco fiscal em ‘penduricalhos’ na ‘PEC da Transição’

Alguns dos novos “penduricalhos” incluídos na nova versão da “PEC da Transição” parecem abrir espaço para ampliar investimentos no setor de infraestrutura. Especialistas no setor, porém, avaliam que isso não se justifica e que a proposta deveria estar focada em viabilizar a complementação do novo Bolsa Família, sob risco de acabar se tornando uma versão do atual orçamento secreto.
Para Otaviano Canuto, ex-vice-presidente do Banco Mundial e membro sênior do Policy Center for the New South, chegar a R$ 205 bilhões em impacto da medida é um “estouro completo” do teto de gastos.
“Pelo colapso de gestão do período do governo (de Jair) Bolsonaro, com quase colapso de funções públicas, é um problema que seria compreensível usar o ‘jeitinho’ fora do teto de gastos para fazer caber o Bolsa Família. Mas nessa amplitude, pode virar uma nova emenda do relator” diz ele. “A porteira cuja abertura está sendo proposta é ampla demais. É um tiro de morte no arcabouço fiscal e sem clareza de onde viria uma âncora no futuro”.
Mesmo as propostas direcionadas a investimentos em infraestrutura, continua ele, não se justificam. Constam desta última versão da PEC, retirar do teto as despesas feitas a partir de empréstimos internacionais vindos de órgãos internacionais multilaterais, como o Banco Mundial ou o Banco Interamericano de Desenvolvimento, para a área de transporte.
Atualmente, o governo federal registra poucos empréstimos com esse perfil, já que esse mecanismo é mais usado por estados e municípios.
Consta também da nova proposta da PEC que despesas com obras e serviços de engenharia, pagas pela União, mas usando recursos de transferências recebidas de estados e municípios, também ficariam fora do teto de gastos.
“A rigor, tudo isso é mais um jeitinho para aumentar o espaço para o gasto. Não há razão dentro do sistema fiscal vigente para que programas financiados por investimentos multilaterais sejam deixados de fora do teto. Porque também são gastos e entram na dívida pública de qualquer maneira. Não há flexibilização do teto de gastos que mude isso”, pondera o economista.
Claudio Frischtak, à frente da Inter.B Consultoria, especializada em infraestrutura, também avalia que uma PEC de cerca de R$ 80 bilhões, para garantir o novo Bolsa Família, faria sentido. Do tamanho que está proposta, representa risco fiscal, diz ele.
“Acima disso, rompe com a premissa de precaução. Do ponto de vista macroeconômico, tem diversas implicações em taxa de juros, câmbio, inflação e trajetória da dívida pública. E do ponto de vista micro, representa um acréscimo tão grande no Orçamento que garante a má alocação dos recursos”.
Investimento e retorno social
Essa avaliação, explica o economista, se baseia no fato de que nas últimas três décadas, a produtividade do trabalho no país avança 0,8% ao ano, refletindo diretamente a má alocação de recursos. Para Frischtak, o mecanismo de emendas do relator funciona sem governança correta dos investimentos.
“Investimos pouco em infraestrutura? Sim. Em 2022, esse aporte é de 1,7% do PIB, muito fraco. Sendo 1,1% do setor privado e 0,6% público. Deve-se dobrar esse 0,6%? Se isso acontecer, haverá desperdício. É preciso garantir que esse investimento seja planejado e usado adequadamente, tomando por base a taxa social de retorno de cada projeto”, defende o economista.
Nesse sentido, Frischtak avalia que, em 2023, o novo governo deveria voltar suas atenções para planejamento e priorização de investimentos que possam ser executados com monitoramento eficaz.
“O novo PAC, por exemplo, tem de gastar R$ 50 bilhões? É receita para o desastre. Há obras abandonadas no país, mas a maior razão para isso é a má qualidade dos projetos. Então, mesmo aí, é preciso eleger que obras devem ser concluídas”.
Esse aprimoramento da governança do investimento público, diz ele, é fundamental para garantir retorno social e bons resultados. O atual Auxílio Brasil, sublinha ele, se for redesenhado em paralelo ao recadastramento dos beneficiários, pode abrir um espaço de R$ 25 bilhões.
“Receita própria das universidades federais fora do teto tem uma racionalidade econômica. Empréstimos vindos de órgãos multilaterais como BID e Bird também. Meu problema é o precedente, que traz um risco. Como saber se não virá outra PEC, daqui a seis meses, para deixar mais coisas fora do teto?”, questiona ele. “É preciso manter o teto e reformar a Lei de Responsabilidade Fiscal”.
Erros do passado
Ainda que o atual governo tenha “usado e abusado” de recursos fiscais para a reeleição, destaca o economista da Inter.B, é preciso planejar os investimentos em infraestrutura para não repetir erros do passado.
A ideia de retirar recursos de contas abandonadas do PIS/Pasep para financiar investimentos é manobra que tanto Frischtak quanto Canuto entendem que repetiria o que foi feito com o BNDES no governo Dilma Rousseff.
“Havia a crença de que se o BNDES transformasse em investimento privado os recursos que foram direcionados ao banco, o aumento do PIB seria maior a ponto de compensar o crescimento da dívida pública, o que não aconteceu. Não veio o ‘salto mortal’ para fazer o PIB evoluir de forma a absorver o aumento da dívida pública”, aponta Canuto.
Também Frischtak avalia ser uma “péssima ideia” o uso dos recursos do PIS/Pasep.
“Não vamos repetir esse erro. Investimento em infraestrutura não é para gerar emprego, mas para melhorar a qualidade de vida da população, sobretudo da mais pobre. E melhorar o custo das empresas. Se gera emprego e renda, ótimo” conclui.
Por Glauce Cavalcanti
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