Cade investiga exclusividade na venda de cerveja

Ambev, Heineken, grupo Petrópolis e Estrella Galícia terão de explicar suas estratégias com pontos de venda

Caixas de cerveja da Ambev (ABEV3). Foto: Paulo Whitaker/Reuters
Caixas de cerveja da Ambev (ABEV3). Foto: Paulo Whitaker/Reuters

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) pediu que Ambev, Heineken, grupo Petrópolis e Estrella Galícia expliquem suas estratégias de exclusividade com pontos de venda e opinem sobre as práticas da Ambev. Os pedidos foram feitos dentro de um inquérito administrativo aberto em março, em que a Heineken pediu à autarquia que averiguasse a conduta da Ambev.

No fim de julho, a Superintendência Geral do Cade negou pedido de liminar da cervejaria holandesa para suspender oscontratos de exclusividade da Ambev com alguns pontos de venda considerados premium. A Heineken recorreu e as investigações continuam.

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O Tribunal do Cade ainda pode conceder liminar para restringir o programa de exclusividade da Ambev. Por enquanto, não está em discussão sanção à empresa por eventual conduta anticompetitiva, mas a suspensão ou não do programa em caráter liminar. No momento a tendência é de que seja feito um estudo de efeitos financeiros dos programas, para fornecer subsídios para a decisão, conforme explicou uma fonte ao Valor.

Ao propor uma representação com pedido de medida preventiva contra a Ambev em março no Cade, a Heineken afirmou que as práticas questionadas já seriam bem conhecidas: relações de exclusividade com pontos de vendas que levam ao fechamento do mercado para seus concorrentes.

Os contratos seriam firmados por meio do oferecimento de luvas aos pontos de venda, além de concessão de descontos não lineares, oferta de materiais e outras bonificações. Por meio desses instrumentos a Ambev exigiria exclusividade de venda dos seus produtos, fechando o acesso de concorrentes a pontos de venda (bares, restaurantes e casas noturnas) considerados premium , segundo a Heineken.

A empresa lembra que a Ambev já foi alvo de outras investigações semelhantes no órgão. Em 2014, o programa de fidelidade “Tô Contigo” foi questionado pela Schincariol. O Tribunal do Cade condenou a prática. Uma denúncia de 2007 da Kaiser levoua Ambev a firmar um Termo de Compromisso de Cessação de conduta (TCC), homologado pelo Tribunal em 2015, restringindo a prática.

“É uma atitute recorrente de um player dominante”, afirma Sirley Fabiann Cordeiro de Lima, vice-presidente jurídica da Heineken. O tema da exclusividade não é novo no setor, segundo Sirley, a novidade nessa representação é a discussão da exclusividade entre os clientes premium.

“A exclusividade pode ser feita. O que não pode é fechar o mercado e impedir o consumidor de exercer a liberdade de escolha dele”, afirma. De acordo com Sirley, há diferença grande no comportamento de vendas em bares e restaurantes e no supermercado, onde o consumidor pode escolher entre todos os produtos.

A Ambev disse no inquérito que a celebração de contratos com exclusividade é prática comum no mercado de bebidas no Brasil e no mundo e que é adotada, inclusive, pela própria Heineken. Ainda segundo a empresa, quando utilizada de forma limitada, a prática de exclusividade alimentaria a competição, permitindo que diversos concorrentes busquem estratégias para propiciar maior atratividade aos pontos de venda e experiências diferenciadas aos clientes.

Procurada pela reportagem, a Ambev afirmou em nota que suas práticas de mercado são regulares e respeitam a legislação concorrencial brasileira. A cervejaria destacou que tem, há mais de dez anos, um comitê formado por membros externos que acompanha seu programa de compliance concorrencial.

Ainda segundo a Ambev, em 2020, o Cade atestou que o termo de ajuste de conduta acordado em 2015 estava integralmente cumprido. “Mesmo sem ter a obrigação, continuamos monitorando os mesmos indicadores em todas as regiões do país e eles seguem dentro do acordado anteriormente.”

Em sua manifestação, em julho, a Superintendência Geral do Cade indicou que a posição dominante da Ambev é inquestionável no mercado, tendo em vista sua participação superior a 40% em todos os mercados relevantes regionais e pelas elevadas barreiras à entrada do setor. Contudo, apontou que a Heineken também teria participação expressiva, quase sempre superior a 20%.

Apesar de considerar que o eventual fechamento de pontos de venda relevantes para a construção e fixação da marca pode causar prejuízos à concorrência, a SG ponderou que não há, no caso, indícios de que a prática atinja uma parcela significativa desses pontos de venda. “Isso não quer dizer, por óbvio, que a prática denunciada não seja possível ou que não esteja ocorrendo, mas apenas que, nesse momento processual, não é possível afirmar que haja um ilícito concorrencial em curso, sendo necessário maior aprofundamento da investigação para que a autoridade forme seu convencimento”, afirma a SG em seu despacho.

Na sessão da semana passada no Cade, o conselheiro Gustavo Augusto pediu informações à Heineken e à Ambev sobre seus modelos de contratos de exclusividade com pontos de venda. No mesmo dia, as concorrentes Grupo Petrópolis e Estrella Galícia receberam ofícios com uma série de perguntas sobre o tema.

Nos ofícios, o Cade questionou se as concorrentes observam que as relações de exclusividade de vendas mantidas pela Ambev com pontos de vendas (acordos contratuais ou de outro tipo que resultem na exclusividade de vendas) prejudicam aatuação delas no mercado. E também se elas têm relações de exclusividade com pontos de venda para consumo no local e quais as contrapartidas oferecidas em troca da exclusividade de vendas. Também foi questionado em que bairros de SãoPaulo e do Rio de Janeiro a empresa buscava estabelecer exclusividade de ponto de venda.

O Grupo Petrópolis informou ao Valor que fez uma denúncia semelhante em relação à Ambev no Cade e que o caso tramitaem sigilo. Em nota, o grupo informou que a concorrente estaria “abusando do seu poder econômico e ferindo a livre concorrência do mercado de cervejas”. Ainda de acordo com o grupo, em 2021 foi aberto inquérito policial, perante a Delegacia da Polícia Civil do Mato Grosso, para apurar as mesmas práticas denunciadas ao Cade pela Heineken.

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