Destaque na bolsa, Coteminas (CTNM3; CTNM4) quer Shein em meio a atraso em pagamento e manifestações em fábricas

Além da negociação de um acordo com a Shein, a Coteminas tem buscado compradores para alguns negócios

A Coteminas (CTNM3; CTNM4) e Santanense (CTSA3; CTSA4), ambas empresas que fecharam contrato preliminar com a Shein, enfrentam manifestações de funcionários em fábricas, após atrasos em pagamentos de benefícios e do FGTS, e produção em ritmo lento, após fraco desempenho em 2022.

Para seus empregados, a área de recursos humanos da Santanense informou, nesta semana, que a busca de um acordo com a plataforma asiática — e que envolve entrada de capital de giro nas operações — é forma de tentar dar algum impulso aos negócios.

Ontem, representantes do Sindicato dos Trabalhadores Têxteis de Blumenau, Gaspar e Indaial estiveram em Brasília em reunião com assessores do Ministério do Trabalho para tratar dos impactos da situação da Coteminas junto aos empregados. A companhia tem uma unidade em Blumenau com cerca de 1,5 mil funcionários — neste ano, os salários atrasaram duas vezes, em fevereiro e abril, afirmam.

Alto endividamento (que já obrigou a Coteminas a pedir “waiver” a bancos em 2022), queda no lucro operacional e falta de capital de giro, num ambiente de perda nas vendas, pelos últimos dados de balanços, já tem obrigado a empresa a buscar soluções no mercado.

Além da negociação de um acordo com a Shein, empresa de Cingapura, a Coteminas tem buscado compradores para alguns negócios, como seus imóveis no Rio Grande do Norte e a participação de 30% na Cedro Têxtil. A Coteminas é controladora da Artex, M.Martan, Casa Moysés e da marca Santista, e são cerca de 250 lojas das marcas do grupo.

A expectativa de que essa parceria com a Shein seja efetivamente fechada animou o mercado no pregão da B3 na segunda-feira, quando as ações da Springs Global, controlada pela Coteminas e papel com maior liquidez, subiram quase 96% — ontem recuaram 4%. Um gestor ouvido diz que investidores da Springs, a par da piora no operacional e no financeiro, viram num potencial acordo com a Shein a possibilidade de que o negócio ganhe maior “fôlego”.

A Shein quer nacionalizar 85% das vendas no país até 2027 e deve usar para isso a base de 2 mil confecções parceiras da Coteminas, informou a empresa na quinta-feira (20). O negócio teve aumento em custos com ociosidade em 2022. “A situação não é boa, e isso pode dar um respiro”, diz um gestor de fundo.

As conversas para fechar o contrato envolvem Coteminas e Santanense, mas ainda estão em andamento. Uma nova reunião entre as partes estava marcada para segunda-feira, após a assinatura do memorando de entendimento.

O memorando foi assinado na quinta-feira passada, dia em que a Shein, o comando da Coteminas e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se encontraram em São Paulo, após contato alinhado por Josué Gomes da Silva, presidente da Coteminas, apurou o Valor.

Na semana passada, a Shein vinha sobre forte pressão das varejistas locais e do próprio governo pela falta de clareza em relação a um plano de conformidade com regras locais de importação, e passou a articular um anúncio de investimentos, já com projetos em andamento, “para baixar a temperatura”, disse uma fonte ouvida.

Gomes é filho de José Alencar, vice-presidente na gestão do presidente Lula, de 2003 a 2010, e tem próxima relação com membros do atual governo — já foi convidado por Lula, no fim de 2022, para ser seu Ministro da Indústria, Serviços e Comércio Exterior, informou o jornal “O Globo” na época, mas ele não aceitou. Gomes, inclusive, foi um dos empresários que viajou à China, na visita do governo àquele país.

A Coteminas é referência na fabricação de têxteis e produtos para cama, mesa e banho, e a Santanense, em uniformes profissionais. A Shein é forte em moda feminina e masculina — segmento em que deve focar o projeto de nacionalização.

Balanços atrasados

Não há dados atuais sobre a situação dos negócios da família. As duas companhias, assim como a Springs Global, controlada da Coteminas, estão em atraso com a publicação das demonstrações financeiras do quarto trimestre de 2022. A Springs já havia atrasado a apresentação do segundo e terceiro trimestres.

Em 27 e 28 de março, às vésperas do fim do prazo de apresentação obrigatória pelas empresas abertas, Springs Global, Coteminas e Santanense relataram à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) que iriam postergar a entrega, e não deram nova data.

As empresas também não informam a razão do atraso. A RSM Brasil audita a Coteminas e a BDO RCS, a Santanense e a Springs Global.

O balanço de janeiro a setembro da Coteminas mostra prejuízo de R$ 400 milhões, quatro vezes acima de 2021, e vendas líquidas 22% menores. No curto prazo, em 2023, há R$ 259 milhões a vencer junto a 18 bancos nacionais e estrangeiros e o BNDES (Finame) — de uma dívida bruta total de R$ 1 bilhão.

Em parte desses contratos de dívida, a Coteminas precisa respeitar certos indicadores financeiros (“covenants”), sob pena de ter todo o vencimento da dívida antecipado. Entre os indicadores está a relação entre dívida e Ebitda, em 2,5 vezes em 2022. Como desrespeitou o limite (teve “Ebitda negativo” até setembro), precisou obter o “waiver” de bancos e renegociar contratos, disse em balanço do terceiro trimestre.

A Santanense transformou lucro em prejuízo — teve perda de R$ 25 milhões até setembro, versus lucro de R$ 36 milhões um ano antes. A receita líquida também caiu quase 25%, para R$ 360 milhões.

Sem leite, sem FGTS

Manifestações de empregados têm ocorrido nas últimas semanas nas portas de fábricas da Santanense, controlada pela Coteminas, em Pará de Minas e Itaúna, ambas em Minas Gerais. São cerca de 400 funcionários em Pará de Minas e 800 em Itaúna, dizem os sindicatos.

“A informação que temos de sindicatos de outras cidades onde a Coteminas atua é que o cenário é o mesmo [em todos os locais], variando só a intensidade do problema. Desde dezembro não há produção regular em Itaúna. Parte dos empregados está em despensa remunerada, parte segue em “lay off” [afastamento com jornada reduzida] e parte em home office”, diz Sandra Regina de Paula Vítor, assessora jurídica do Sindicato dos Tecelões de Itaúna.

“A diretoria [da empresa na cidade] diz que o acordo com a Shein não está assinado ainda, é um memorando, mas que se avançar será um aporte da Shein para que ela possa voltar a funcionar regularmente. Tenho mais de 30 anos de sindicato, nunca vi a empresa assim”, afirma. Na unidade, são produzidos uniformes profissionais.

Há três meses, a unidade não paga o tíquete refeição e a entrega do leite, feita mensalmente e determinada em convenção coletiva, não ocorre desde setembro de 2022. Sobre o FGTS, o pagamento está em atraso desde março de 2022, e há um acordo em discussão para regularização junto à Caixa, de pagamento parcelado dos atrasados, diz ela.

Cerca de 100 a 150 trabalhadores da unidade pediram rescisão indireta neste ano (pedido de demissão feito o quando empregador não cumpre contrato de trabalho).

O sindicato diz que já foram feitos contatos para reunião com a diretoria da Coteminas, sem retorno.

Em Blumenau (SC), onde há unidade da Artex, de produtos para cama, mesa e banho, sindicalistas da categoria dizem que salários para pagamento em fevereiro e abril sofreram atrasos em 10 e 3 dias, respectivamente.

E a expectativa de retorno total das atividades, para o fim de abril, foi adiada, nesta semana, para o fim de maio, afirma o Sindicato dos Trabalhadores Têxteis de Blumenau, Gaspar e Indaial.

Segundo o diretor do sindicato, Adilson Schoenau, há cerca de 500 empregados em “lay off”, e entre 100 e 120 pessoas estão trabalhando no escritório e outras áreas. O restante está em banco de horas, de um total de 1,5 mil funcionários.

“A situação lá começou a piorar em 2022, e eles dizem a nós que estão com problemas financeiros, mas não temos retorno claro da situação”, diz o diretor.

Imóveis e participação à venda

A Coteminas diz em seu balanço no terceiro trimestre que a redução das suas atividades, com paradas programadas nas unidades fabris, levou a um custo de ociosidade de R$ 44 milhões, bem acima do R$ 1,5 milhão de um ano antes. Em 2022, até setembro, isso custou R$ 87 milhões.

A empresa afirma ainda que teve um consumo operacional, em vez de geração, de R$ 17 milhões em 12 meses até setembro, e que sentiu, em 2022, uma forte redução de seu capital de giro, o que afetou as suas atividades.

“As administrações das companhias [Springs e Coteminas] estão empenhadas na redução desse endividamento e, consequentemente, na redução das despesas financeiras com a venda de ativos não operacionais”, diz a Coteminas, em notas explicativas de seu balanço do terceiro trimestre.

Negociações de ativos vêm sendo buscadas há meses, algumas já concluídas. No fim do ano passado, o comando decidiu destinar os imóveis (residenciais e comerciais) de São Gonçalo do Amarante (RN) para venda, com valores no balanço de R$ 373 milhões, e iniciou contatos com eventuais interessados — até o momento, não houve acordo.

No dia 4 de abril, em comunicado, a empresa informou que vai vender sua participação na empresa Cedro Têxtil, que também fabrica uniformes profissionais, como a Santanense — ela tem 30% das ações. O negócio deu prejuízo de R$ 15 milhões de janeiro a setembro.

Paralelamente a esse movimento, foi implementada uma reestruturação para tentar melhorar a rentabilidade dos negócios — a margem Ebitda ajustada da Coteminas ficou negativa em 21,8% de julho a setembro, versus 12,8% um ano antes.

As vendas de atacado passaram a ficar concentradas só em produtos de marca Santista, e não mais em outras linhas, e as marcas Artex, MMartan, e Casa Moysés serão exclusivas do negócio Ammo Varejo, outra empresa do grupo. Isso ajuda a proteger marcas e as margens, mais baixas no atacado.

Na Springs, cujo controle é da Coteminas, a Leblon Equities tem 9,7% do capital total e a Previ, fundo de pensão da Caixa, 8,4%.

Na Coteminas, controlada por veículos ligados à família fundadora, as maiores fatias (no capital total) estão com o fundo Alaska Poland (12,7%) e o BNDES Participação, (6,27%), seguido da Verde Asset Management (4,5%), e do Garantia Gestão de Recursos, do Credit Suisse (3,7%).

Credor pede falência; grupo paga

Ainda em abril, mês em que buscava costurar um acordo com a Shein, o credor Top Cesta de Alimentos entrou com pedido de falência contra a Coteminas, no dia 11, após atraso de pagamentos quinzenais relativos ao fornecimento de cestas de alimentos e de Natal. Ontem, a companhia depositou em juízo a soma.

“Eles pagaram metade da primeira parcela e após fevereiro não pagaram mais. Foram vários contatos, sem retorno, e diziam que estavam num momento complicado. Hoje [Ontem] depositaram 90% do valor da dívida, junto com contestação ao pedido de falência”, disse Fabio Luis Ambrosio, advogado da Top Cesta.

No dia 13 de abril, a “Folha de S. Paulo” noticiou o pedido de falência, e a empresa informou que o assunto junto ao credor já estava solucionado. “Não tinha nada resolvido, a ação continuava tramitando, o depósito foi feito hoje [ontem]”.

Procuradas para comentar as questões envolvendo a companhia, a Coteminas, e sua controlada, ainda não se manifestaram.

Por Adriana Mattos, Valor

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