Em janeiro de 2025, no Fórum Econômico Mundial em Davos, Suíça, prevalecia um amplo consenso de que os EUA experimentariam uma performance econômica superior adiante, enquanto a Europa seguiria estagnada e a China continuaria lutando contra uma desaceleração inevitável.
Na ocasião, ao momento favorável da atividade econômica americana, se somava a crença amplamente compartilhada de que o setor privado americano seria impulsionado por cortes de impostos, redução da burocracia e desregulamentação no novo governo Trump.
No entanto, essa visão de excepcionalismo americano foi colocada em cheque logo nas primeiras semanas da volta de Trump à presidência.
Incerteza auto-produzida
A formulação extremamente errática de políticas tarifárias – em que tarifas foram anunciadas e depois retiradas/postergadas, aumentadas e depois reduzidas – elevou a incerteza sobre o ambiente de negócios. A falta de clareza sobre o que as tarifas pretendem alcançar – se maior receita federal, ou realocação da produção para os EUA, ou redução do tráfico de drogas, ou diminuição da imigração ilegal etc. – contribuem para agravar a situação.
A magnitude das barreiras comerciais também assustou: no primeiro governo Trump, as tarifas impostas em 2018/2019 impactaram cerca de US$ 380 bilhões de importações. As tarifas de agora impactam pelo menos US$ 1 trilhão em importações, segundo estimativa da Tax Foundation.
Com isso, empresas americanas que dependem da importação de bens intermediários enfrentarão custos mais altos, de magnitude ainda incerta, enquanto famílias americanas terão seu poder de compra diminuído. Isso tudo antes de considerar o impacto sobre exportadores das tarifas retaliatórias de alguns dos principais parceiros comerciais americanos, cuja magnitude também está indefinida no momento.
No âmbito geopolítico, o afastamento dos EUA de aliados e parceiros comerciais tradicionais – como os Europeus, após os severos embates sobre a guerra na Ucrânia – traz dúvidas adicionais sobre cadeias de suprimento e parcerias comerciais com os EUA.
Enquanto isso, o novo Departamento de Eficiência Governamental (Doge), sob a batuta de Elon Musk, vem promovendo a suspensão ou demissão de milhares de trabalhadores públicos e o cancelamento de milhares de subsídios e contratos do governo. A velocidade de tais ajustes é também uma fonte de insegurança e dúvidas.
Excepcionalismo americano em cheque
O resultado de tudo isso? A alta incerteza sobre a economia vem afetando a confiança dos americanos, o que pode levar ao adiamento de decisões de investimento. Não à toa surgem questionamentos sobre uma possível recessão nos EUA – possibilidade essa que não foi rechaçada nem mesmo por Trump em entrevista recente.
Apesar da mediana das projeções de crescimento para os EUA esse ano ainda apontar para um valor decente, próximo a 2%, indicadores de sentimento do consumidor, como o da Universidade de Michigan (aqui), tiveram uma queda relevante, acompanhada de alta na preocupação com emprego e nas expectativas de inflação. A isso se soma a forte alta em indicadores de incerteza de pequenas empresas (aqui) e do comércio internacional (aqui) que mostram que a visão de Davos está bem distante da realidade atual – o excepcionalismo americano está definitivamente em cheque.
O outro lado da moeda
Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, o governo alemão anunciou em março um plano significativo de estímulo fiscal para impulsionar gastos, principalmente em infraestrutura e defesa. A expansão fiscal pode chegar a 3 pontos percentuais do PIB por ano, aproximando o déficit nominal da Alemanha ao nível de França e Itália.
A Comissão Europeia também está discutindo um aumento 800 bilhões de euros (cerca de 4,7% do PIB) para o orçamento de defesa, boa parte disso a partir da flexibilização de regras fiscais. Com isso, os gastos com defesa podem crescer ainda mais em países com espaço fiscal, como a Alemanha.
Dessa forma, começa a se modificar o quadro de atividade econômica fraca na Europa, decorrente do choque do gás russo e perda de espaço para a manufatura chinesa, além das perspectivas negativas decorrentes das novas tarifas de Trump. Agora, a expectativa passa a ser de uma aceleração do crescimento, aumentando assim a atratividade do velho continente para investidores.
Juntando as mudanças de cenário nos EUA e na Europa, saímos de uma perspectiva no início do ano de provável paridade entre Euro e Dólar para um quadro de fortalecimento do Euro frente ao Dólar, como vem ocorrendo desde o início de março.
O dólar no vértice do sorriso
Essa rápida mudança no cenário global tem implicações importantes para o dólar. A moeda tende a se valorizar em momentos em que a economia americana vai bem, especialmente quando esta se destaca em relação a outras economias. Portanto, o cenário consensual de excepcionalismo americano que prevalecia no início do ano era também um cenário de dólar forte em relação a outras moedas.
Se a incerteza política e geopolítica impactar o crescimento global negativamente, aumentando o risco de recessão no mundo, teremos ainda um cenário de dólar forte. O motivo é que em um quadro como este, de risk off global, os fluxos financeiros tendem a ir para portos seguros, sendo o dólar americano a alternativa mais razoável para boa parte destes fluxos.
No entanto, o cenário que vem se delineando desde o início de março é diferente dos dois descritos acima. Temos um questionamento crescente do cenário de excepcionalismo americano, ao mesmo tempo em que estímulos vem sendo feitos em outras regiões, de modo que a perspectiva de crescimento americano diminui enquanto a perspectiva de crescimento do resto do mundo vem melhorando. Neste cenário, o dólar se enfraquece, como temos visto.
Esta discussão pode ser resumida pela figura abaixo, que mostra o chamado sorriso do dólar, em que a moeda americana se fortalece em momentos de excepcionalismo americano e de risk off global, mas se enfraquece quando a percepção sobre os EUA piora em relação ao resto do mundo – o vértice do sorriso.

O que esperar para o dólar?
Olhando adiante, a continuidade do enfraquecimento do dólar dependerá fundamentalmente da percepção de que a economia americana continuará se deteriorando e que o resto do mundo continuará ganhando força. Com tantas partes se movendo simultaneamente, é preciso aguardar novas evidências e avaliá-las de acordo com a relação não linear explicitada pelo sorriso do dólar.
Mas fica evidente o seguinte: um cenário de novo fortalecimento do dólar requererá ou (1) uma redução do alto grau de incerteza atual, decorrente de embates geopolíticos e da forma, intensidade e velocidade de implementação das políticas tarifárias pelos EUA, ou (2) um enfraquecimento do resto do mundo, na contramão de estímulos recém-anunciados.
Trump descreveu o atual momento como um “período de transição”, enquanto seu secretário do Tesouro falou de uma “desintoxicação” da economia. Ambas as declarações indicam que o governo americano não pretende abrandar sua forma de atuação. Resta ver se o resto do mundo conseguirá manter um bom crescimento relativamente aos EUA, apesar dos crescentes conflitos comerciais, ou se um cenário de risk off global levará a um novo fortalecimento do dólar, dessa vez por motivos inequivocamente ruins.
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