CVM ‘enquadra’ maioria dos tokens de renda fixa como valor mobiliário

A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) publicou nesta terça uma nova circular de orientação ao mercado que caracteriza a maioria dos chamados tokens de renda fixa digital como valores mobiliários. Com a nova orientação, tokens de recebíveis e de renda fixa digital em geral, que se aproveitavam uma zona cinzenta ou eventual brecha regulatória, terão todos que ser registrados, sob pena de sofrer “stop order” e outras sanções.
A circular não cria nenhuma regra nova, mas deve ter implicações relevantes para as plataformas de ativos digitais e tokenizadoras, que precisarão incorporar no processo as securitizadoras, ampliando os custos das emissões. Por outro lado, traz segurança jurídica, o que pode permitir a entrada nesse mercado dos grandes bancos e de outras empresas.
Se enquadram na categoria os tokens que representam recebíveis de dívida de empresas, conhecidos como fluxos de pagamento, cotas de consórcios não contemplados, comercialização de energia, entre outros. Até frações de precatórios e produtos de staking de criptoativos, em que o investidor cede temporariamente os tokens para autenticação das transações nas blockchains, poderão ser enquadrados pela CVM como valores mobiliários. O ofício circular não cita nominalmente precatórios e o staking de criptomoedas.
“Temos observado tokens de renda fixa nas plataformas, o que caracteriza uma oferta pública, que se enquadram no conceito de valor mobiliário. Por isso, fizemos a orientação sobre o assunto a fim de mitigar possíveis irregularidades e desvios de conduta. Esses esclarecimentos se basearam também no Parecer de Orientação 40, em que a CVM consolidou o entendimento sobre a aplicação da regulação de valores mobiliários aos criptoativos”, disse Bruno Gomes, superintendente de supervisão de securitização da CVM.
O tema é um dos mais polêmicos no mundo dos criptoativos e opõe interesses das maiores corretoras de ativos digitais do mundo e de reguladores como a SEC (CVM dos EUA) e a CFTC (commodities e futuros), que disputam o mandato para supervisionar os criptoativos.
Apesar de não criar nenhuma regra nova em particular, a circular deixa claro que é um valor mobiliário qualquer token que: 1) prometa um rendimento, seja fixo ou variável, ao investidor por participar do risco de uma determinada operação financeira ou empreendimento; 2) representa direitos creditórios ou títulos de dívida; 3) seja um investimento coletivo, padronizado; 4) tenha passado por um intermediário, mesmo que ele tenha apenas calculado o valor das taxas oferecidas; 5) sejam alvo de uma oferta pública por meio de uma exchange de criptoativos, tokenizadora ou outros meios, mesmo que não tenha ocorrido uma publicidade explícita. São os elementos básicos do “Teste de Howey”, inspirado na justiça americana.
“Nesses casos, entendemos que há uma operação de securitização, que, se ofertada publicamente, é equiparada, por exemplo, ao Certificado de Recebível, conforme previsto no Marco Legal da Securitização”, disse Gomes.
Ofertas pequenas de até R$ 15 milhões, no entanto, poderão ser enquadradas na regra de crowdfunding (resolução CVM 88), que já permite a listagem de valores mobiliários, seja equity ou dívida, de startups e empresas de menor porte na forma de token.
A regra de crowdfunding, no entanto, é restrita para empresas pequenas, com receita bruta anual de até R$ 40 milhões ou R$ 80 milhões para um mesmo grupo econômico. As plataformas devem ainda ter registro obrigatório na CVM. Já as securitizadoras precisam apenas ser uma sociedade anônima (S.A.) de capital fechado.
“Isso possibilitaria a compatibilização da tecnologia dos tokens com aquelas utilizadas na infraestrutura das plataformas, visto o regime regulatório especial da resolução CVM 88, que dispensa, em certas situações, a contratação da infraestrutura tradicional do mercado de capitais”, disse Luis Lobianco, gerente de supervisão de securitização da CVM.
Segundo a autarquia, a caracterização de um determinado ativo como valor mobiliário independe de uma manifestação prévia da autarquia. “Portanto, os agentes privados devem sempre avaliar se a regulação do mercado de capitais é aplicável aos ativos distribuídos. Caso os tokens se caracterizem como valores mobiliários, devem ser respeitadas as normas sobre registro de emissores e sobre ofertas públicas, bem como as disposições sobre intermediação, escrituração, custódia, depósito centralizado, registro, compensação, liquidação e administração de mercado organizado para negociação de valores mobiliários”, afirma a autarquia.
A CVM também lembra que as plataformas precisam atender os critérios de divulgação de informações específicas sobre os ativos tokenizados, particularmente em relação aos riscos envolvidos, em “linguagem adequada” para compreensão pelo público em geral, como nos demais valores mobiliários. O objetivo é promover transparência informacional — o chamado princípio de “full and fair disclosure”— tendo em vista particularidades técnicas dos ativos digitais, afirma a CVM.
Por Toni Sciarretta
Leia a seguir