No luxo não basta mais a exclusividade e um café em SP (com reservas esgotadas) é prova disso

O clássico filme ‘Breakfast at Tiffany’s’ virou realidade — ao menos temporariamente — em São Paulo. A icônica joalheria norte-americana trouxe ao Brasil o Blue Box Café, espaço onde o charme da Quinta Avenida se materializa em cappuccinos, croissants e paredes pintadas no azul inconfundível da marca. Mas por trás da decoração elegante e dos quitutes, há uma movimentação estratégica com significado muito mais profundo: o avanço da economia da experiência no setor de luxo.
Segundo Rogério Tobias, especialista em comportamento do consumidor e professor de Administração e Marketing da Uniarnaldo Centro Universitário, essa lógica representa uma transformação na entrega de valor pelas marcas. “Antes, vendiam-se apenas produtos. Depois, vieram os serviços. Agora, o diferencial está na experiência que envolve a compra. Em vez de apenas oferecer um item, as marcas criam momentos memoráveis, sensoriais e imersivos.”
A experiência como nova moeda de status
Essa virada é ainda mais evidente no mercado de luxo. “No alto padrão, o cliente já tem acesso a praticamente todos os produtos que deseja. Ele quer mais. Quer exclusividade, status e uma vivência que o faça se sentir especial”, explica Tobias.
Flavia Mardegan, especialista em vendas e atendimento ao cliente e CEO da consultoria Mardegan, explica que a economia da experiência é um estágio evolutivo do consumo.
“Nele, o valor percebido deixa de estar apenas no produto ou serviço e passa a residir na vivência que ele proporciona. No luxo, isso ganha uma camada a mais: não basta exclusividade, é preciso provocar sensações memoráveis e criar narrativas que conectem emocionalmente.”
O Blue Box Café da Tiffany, portanto, vai muito além de um ambiente bonito. “Mais do que um café, a Tiffany criou um portal para dentro do seu universo. Ao permitir que o público experimente o ‘Breakfast at Tiffany’s’ na prática, a marca transforma uma referência cultural em vivência real”, diz Flavia.

Não se tratava apenas de vender um cappuccino, mas permitir que as pessoas fizessem parte do universo Tiffany, nem que por algumas horas. O impacto foi imediato: as reservas estão esgotadas e 30 de abril é o último dia do espaço em São Paulo. Além disso, conteúdos sobre o café já começam a aparecer em redes como o TikTok.
Do produto à presença
Essa movimentação não é isolada. Marcas como Louis Vuitton, Gucci e Dior exploram o mesmo caminho. A Gucci criou o Gucci Osteria, restaurante comandado por chefs estrelados. A Louis Vuitton investe em cafés dentro de lojas conceito. Já a Dior abriu o restaurante Monsieur Dior em Paris.
“Estamos saindo da era da posse para a era da presença. Essas ações geram mídia espontânea, criam engajamento e oferecem experiências que conectam. É luxo que se vive, não apenas se observa”, aponta Flavia.

Para Tobias, trata-se de uma resposta clara à nova mentalidade do consumidor: “Em um mundo saturado de opções e dominado pelo digital, a experiência é o que marca, gera conexão emocional e fideliza. A exclusividade temporal dessas ações só aumenta o desejo.”
Além disso, há um efeito adicional altamente desejado pelas marcas: atrair o público jovem ou com poder aquisitivo menor. “Essas experiências funcionam como porta de entrada emocional. Conectam quem ainda não pode comprar uma peça de alto valor, mas já admira o universo da marca”, completa Flavia.
O que ainda vem por aí
Com a experiência se tornando o novo pilar do luxo, segundo Tobias, setores inteiros estão repensando seus formatos. “Moda, hospitalidade, relojoaria, beleza, gastronomia e até o setor automotivo têm um campo vasto para inovar”, aponta o professor.
Ele imagina, por exemplo, eventos personalizados de test-drive, spas dentro de lojas de beleza, experiências culturais em hotéis e desfiles com imersões sensoriais.
Flavia vai além: “Imagine um relógio entregue pessoalmente em uma experiência exclusiva com o mestre relojoeiro. O luxo precisa voltar a ser artesanal, mas agora também precisa ser inesquecível. A experiência é o novo ateliê.”
O que antes então se resumia a vitrines e etiquetas agora ganha forma em aromas, sons, cenários e sensações cuidadosamente pensadas para emocionar. “A experiência transforma a relação com a marca em algo afetivo, quase íntimo. Mais do que vender, ela faz sentir. E, para esse público, sentir algo único tem mais valor do que qualquer etiqueta”, diz Flavia.
E, como resume Tobias, o luxo sempre foi sobre diferenciação. “Hoje, a experiência é o grande diferencial. Quem entender isso e inovar, garantirá não apenas vendas, mas um espaço cativo na mente e no coração do consumidor.”
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